Geralmente, pensamos em hospitais como "refúgios de funcionalidade e segurança", como "arautos de dias melhores para um parente idoso doente". No entanto, está gradualmente se tornando mais claro que para idosos mais frágeis e para os idosos institucionalizados – residentes de lares de idosos, em particular – as cirurgias e os hospitais são lugares para se evitar sempre que possível, pois podem se tornar uma fonte de perigo em si mesmo.
Mesmo as cirurgias consideradas bastante rotineiras em pacientes mais jovens, como apendicectomias, tornam-se de alto risco para os idosos institucionalizados. A anestesia e a agressão fisiológica da cirurgia ao corpo afetam as pessoas mais velhas muito mais do que pensamos. Este é ponto de vista de Emily Finlayson, cirurgiã colorretal da Universidade da Califórnia, em San Francisco, autora de um estudo recente sobre o assunto, publicado no The Annals of Surgery: Major Abdominal Surgery in Nursing Home Residents: A National Study.
Na verdade, o estudo, que comparou os riscos de mortalidade e de intervenções posteriores para quatro tipos de cirurgia abdominal de grande porte, constatou que em comparação com adultos da mesma idade – e que tinham o mesmo número de doenças crônicas, mas que não estavam em instituições – os idosos institucionalizados (o estudo refere-se a residentes de longa duração e não aqueles em reabilitação temporária) se saiam nitidamente pior. Concretamente, a intervenções cirúrgicas muito mais provavelmente podem ser causa de morte para este grupo.
Finlayson e sua equipe usaram dados nacionais do Medicare e de pesquisas de enfermagem para identificar cerca de 71.000 moradores de asilos que passaram por uma cirurgia entre 1999 e 2006. Eles compararam estes dados com mais de um milhão de idosos que foram submetidos às mesmas quatro cirurgias, mas que não viviam em um lar de idosos. Para efeito comparativo, os pesquisadores escolheram as operações realizadas com mais freqüência em idosos:
• Remoção de apêndice infectado (apendicectomia);
• Retirada de vesícula biliar infectada (colecistectomia);
• Cirurgia de úlcera hemorrágica na parte superior do intestino;
• Cirurgia para doenças do cólon não-cancerosas como a diverticulite ou colite.
Estas são condições dolorosas que requerem decisões imediatas, ao contrário de diagnósticos de câncer de mama ou de próstata, em que o paciente e sua família podem levar alguns dias para descobrir o melhor caminho terapêutico.
Os pesquisadores descobriram que depois de uma apendicectomia, 12 % dos idosos institucionalizados morreram, comparado com 2 % dos beneficiários do Medicare que não estavam em lares de idosos. A cirurgia da vesícula biliar revelou-se perigosa também: um risco de mortalidade de 11 % para os idosos institucionaizados, contra 3 % em idosos não institucionalizados.
O risco de morte também aumentou acentuadamente para as outras duas operações. Para a cirurgia de cólon, quase um terço dos idosos institucionalizados, contra 13 % para os outros. A cirurgia de úlcera revelou-se a mais perigosa para os idosos: 42 % dos pacientes idosos institucionalizados morreram, comparado com 26% do outro grupo.
Mesmo quando os pesquisadores ajustaram os resultados desses dois grupos de pacientes, levando em consideração a idade e o número de outras doenças prévias, aqueles no grupo de idosos institucionalizados apresentavam mais probabilidades de morrer em cada caso.
A análise dos pesquisadores revela que "falta força de viver para os idosos institucionalizados", eles demonstram que não têm a capacidade de viver de forma independente. Falta-lhes vitalidade, eles não têm uma "reserva fisiológica de energia".
Mesmo os idosos que sobreviveram às cirurgias - e eles são a maioria, em alguns casos, uma grande maioria - não estavam fora de perigo. Idosos institucionalizados eram muito mais propensos a sofrer novas intervenções invasivas depois da cirurgia; exigiam mais ventiladores mecânicos por dias para ajudá-los a respirar; alimentavam-se mais por meio de tubos inseridos em seus abdomens, quando não podiam ser alimentados normalmente, e precisavam de maior monitoramento cardíaco. E é claro que cada um destes procedimentos dolorosos apresenta riscos adicionais à saúde do idoso.
Perigos das longas internações
"Já sabemos que grande parte dos idosos que ficam internados por longos períodos nunca mais vão recuperar plenamente suas capacidades físicas ou mentais, mesmo quando a doença que os levou ao hospital é tratada com sucesso", afirma a médica Vanessa Morais, diretora da VRMedCare, empresa especializada em cuidados domiciliares na terceira idade.
"Alguns profissionais de saúde podem ser mais resistentes a considerar os resultados do estudo, pois estão focados na mortalidade do paciente em até 30 dias após a cirurgia. Mas e a qualidade de vida, após a cirurgia? Esta é uma questão importante para os membros da família, especialmente se o idoso é frágil e requer muitos cuidados. Existe alguma alternativa para evitar a cirurgia? É preciso ponderar esta questão também", diz Vanessa Morais.
"De modo geral, os profissionais de saúde são treinados para salvar vidas. Mas, quando lidamos com pacientes mais velhos, há outras variáveis muito importantes a se considerar: manter o status cognitivo, viver de forma independente, cuidar de si mesmo, qualidade de vida no final da vida...", pondera a médica Renata Diniz, que também dirige a VRMedCare, empresa especializada em cuidados domiciliares na terceira idade.