Nesta quarta-feira (3), representantes das comunidades científicas de agricultura e alimentação e tomadores de decisão do Brasil se reúnem em evento promovido pela Embrapa e o Global Panel on Agriculture and Food Systems for Nutrition (Painel Global de Agricultura e Sistemas Alimentares de Nutrição). O objetivo é discutir a falta de dietas de qualidade em muitas partes do mundo e no Brasil, particularmente, e seu impacto na saúde da população.
Durante a Oficina sobre Sistemas Alimentares e Qualidade das Dietas, serão discutidas as recomendações apresentadas no Relatório sobre Perspectivas do Global Panel, Sistemas Alimentares e dietas: Como enfrentar os desafios do século XXI, e no artigo publicado na revista científica Nature, Uma nova agenda global para a pesquisa sobre os alimentos.
Nas últimas duas décadas, o Brasil conseguiu reduzir significativamente a fome e a pobreza no País, e hoje é visto como um dos melhores exemplos do mundo de como construir políticas públicas fortes para melhoria da nutrição. Para se ter uma ideia, entre 1989 e 2007, os casos de crianças com atraso no crescimento foram reduzidos de 19% para 7%.
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No entanto, hoje se tem o entendimento de que o foco da pesquisa em alimentos deve abranger, além do aumento da produtividade, a oferta de maior qualidade nutricional nas dietas. Vinte por cento das mulheres brasileiras em idade reprodutiva têm anemia e a insegurança alimentar e nutricional continuam sendo um problema em comunidades específicas. Em 1975, o Brasil detinha a nona maior população de homens abaixo do peso. Já em 2014 ficou em terceiro lugar no ranking global no que se refere a homens obesos.
A pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), realizada pelo Ministério da Saúde em 2016, aponta que mais da metade dos brasileiros, 53,8%, está acima do peso ideal. Esse número vem crescendo nos últimos anos, era de 42,6% em 2006. Esse e outros dados relacionados â saúde dos brasileiros serão apresentados pela coordenadora-geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Michele Lessa de Oliveira, durante o evento, no painel sobre políticas e ações na pesquisa agropecuária para boa nutrição.
Na ocasião, também será apresentado o projeto Biofort que desenvolve variedades agrícolas com maiores teores de vitaminas e minerais, obtidas a partir de técnica de melhoramento convencional. "Atualmente, mais de vinte mil pessoas consomem alimentos biofortificados no Brasil, dentre oito culturas oferecidas: abóbora, arroz, batata-doce, feijão, feijão-caupi, mandioca, milho e trigo", conta Marília Nutti, pesquisadora da Embrapa e responsável pelo projeto. Recentemente o Maranhão assinou convênio com a Embrapa para fortalecer os cultivos de feijão-caupi no estado. Com isso, o governo espera melhorar a saúde e a nutrição de sua população, já que o estado tem uma das menores taxas referentes ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País. Já no Piauí, a atuação do Biofort tem focado na implantação de kits de bombeamento de água ativados por energia solar para suprir a carência da população. A água é utilizada também para irrigação de cultivos biofortificados.
Doenças cardíacas, câncer e diabetes são responsáveis por mais da metade das mortes no Brasil. O consumo de alimentos ultraprocessados, que contêm alta densidade energética, mas baixa densidade nutricional, especialmente por comunidades de baixa renda, tem sido identificado como fator-chave para essa condição.
Atualmente, o Brasil, assim como muitos outros países, está experimentando o duplo problema de má-nutrição, quando o sobrepeso e a obesidade passam a exigir atenção dos governantes e da pesquisa tanto quanto as deficiências nutricionais.
Albaneide Peixinho, vice-presidente do Conselho Federal de Nutricionistas do Brasil, enfatiza que o Brasil avançou muito do ponto de vista do combate à desnutrição nos últimos anos. Mas alerta que esse quadro pode retroagir diante de um cenário de redução de aportes financeiros essenciais para a manutenção das políticas sociais responsáveis por esses ganhos. Também agravam a situação o aumento do desemprego e a queda da renda das famílias, que terão como consequência a redução da qualidade dos alimentos consumidos. Albaneide participará do painel "Nutrição no Brasil", que ocorrerá na parte da manhã, e discutirá os desafios relacionados à Política Nacional de Alimentação e Nutrição.
O Brasil já mostrou ao mundo o que pode ser alcançado com excelência na pesquisa e a manutenção do comprometimento político para reduzir a fome. Mas agora se sabe que os sistemas alimentares precisam ser reposicionados, saindo da perspectiva de alimentar as pessoas para nutri-las. Assim, a agricultura precisa mudar seu foco para dietas de qualidade ao lado da produtividade.
O presidente da Embrapa e membro do Global Panel, Maurício Lopes, destaca o papel da pesquisa agropecuária nesse cenário: "Nos últimos 20 anos, a Embrapa se tornou líder mundial em pesquisas sobre agricultura sustentável e alimentação, oferecendo subsídios para apoiar políticas bem-sucedidas de redução da pobreza e desnutrição no Brasil". Ele completa: "Temos agora uma grande oportunidade para nos tornar líder global na oferta de dietas de alta qualidade, de forma a consolidar a Década para Ação em Nutrição das Nações Unidas", completa. Lopes fará a abertura do evento e, no fim do dia, lançará o documento "Food Environment Policy Brief", juntamente com os representantes do Global Panel, Emmy Simmons e Sandy Thomas.
As discussões ocorrerão no auditório Biomas da Sede da Embrapa, de 8h30 às 18h30, e também poderão ser acompanhadas pela Internet, pelo webstreaming http://aovivo.sede.embrapa.br/canal10/.
Os últimos encontros do Global Panel aconteceram em Londres, Inglaterra, e em Nova Delhi, na Índia, ambos em 2016. É a primeira vez que o Brasil sedia o evento. O próximo ocorrerá em Maputo, Moçambique, em junho de 2017.