Médicos e pacientes aprenderam a enfrentar a cirurgia bariátrica. Os cirurgiões treinaram e aperfeiçoaram suas técnicas em busca da perda de peso. Hoje sabemos e reconhecemos os sucessos alcançados por eles e as sociedades médicas mundiais regulamentaram essa fora de tratamento da obesidade. Hoje, não temos mais dúvidas de que a cirurgia consegue reverter estados graves e debilitantes de obesidade, assim como as complicações associadas a ela, como nenhum outro tratamento.
Apesar da evolução alcançada, nossa euforia com os resultados cirúrgicos da obesidade tem sido comprometida pelos inúmeros casos de reganho de peso, desnutrição grave e transtornos psiquiátricos que apareceram após a cirurgia. Nada disso impede a indicação do procedimento aos pacientes que preenchem os critérios cirúrgicos, pois o saldo ainda é francamente positivo. O que se faz necessário é uma abordagem preventiva das possíveis complicações que esses pacientes podem sofrer e dessa forma garantirmos o sucesso cirúrgico a longo prazo.
Todos os esforços devem visar a conscientização do paciente, para que ele possa realmente entender que seu tratamento não terminou com a cirurgia e que esse procedimento ainda não cura a obesidade. Para isso é fundamental que ele dê continuidade ao seu tratamento após a cirurgia com o objetivo de manter o emagrecimento, tratar as complicações e evitar a desnutrição.
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Como manter o emagrecimento após a cirurgia bariátrica
A única forma de manter o peso perdido após os primeiros anos da cirurgia bariátrica continua sendo a dieta. Falar de dieta com quem nunca conseguiu segui-la por muito tempo é desafiador. Reduzir o estômago, quando os problemas desses pacientes são comportamentais, nem sempre é a melhor saída, sendo justamente esses pacientes os mais problemáticos em manter o peso perdido. Por isso, é preciso investir na mudança de comportamento desde o pós-operatório.
O problema da volta ao ganho de peso se deve ao fato de que as limitações restritivas aos excessos alimentares vão diminuindo com tempo transcorrido após a cirurgia e hoje sabemos que a pequena bolsa de estômago deixada pelos cirurgiões pode dilatar-se lentamente, à medida que o volume de comida ingerido também aumenta. Outra adaptação ocorre no intestino desses pacientes, que pode aumentar a capacidade absortiva dos nutrientes e contribuir para o ganho de peso.
Assim, apesar dos malabarismos cirúrgicos, a dieta continua sendo a pedra fundamental na manutenção do peso perdido. Ela deve ser sempre fracionada e agora ajustada ao novo peso e às novas necessidades nutricionais. Além dela, o paciente deve iniciar um programa sério de atividade física, pois só assim ele poderá conseguir manter o peso e a saúde de seus músculos, que não serão poupados com a intensiva perda de peso.
Evitar a desnutrição
É bem sabido que à medida que o tempo passa, o risco da desnutrição aumenta nesses pacientes. Independente da dieta. O fato é que a capacidade absortiva de nutrientes essenciais é reduzida para sempre, mesmo que o paciente volte a engordar. Infelizmente, o que ocorre é que a maioria desses pacientes se torna negligente com o seu controle, deixa de retornar à equipe médica e interrompe seus suplementos. Muitas vezes recebemos pacientes com anemia, osteoporose, redução da massa muscular e uma queda de cabelos característica dos estados desnutricionais.
Acontece que no primeiro ano após a cirurgia, os pacientes geralmente seguem as orientações, perdem muito peso e, devido aos estoques de nutrientes serem duradouros, eles não ficam desnutridos. Um exemplo disso é a vitamina B12. Esse micronutriente, assim como o ferro, tem sua absorção muito reduzida após o desvio intestinal realizado na principal cirurgia de redução do estômago, a cirurgia de Capela. Entretanto, nossos estoques de vitamina B12 no fígado geralmente garantem o primeiro ano sem a suplementação. O que ocorre é que a partir do segundo ano, mesmo com a menor perda de peso, a deficiência será progressiva, com danos hematológicos e neurológicos importantes. Como a absorção da vitamina suplementada por via oral também pode estar comprometida, a vitamina B12, na maioria das vezes, deve ser suplementada por via intramuscular.
A deficiência de ferro é sempre mais grave nas mulheres e geralmente a suplementação através dos complexos vitamínicos é insuficiente. Aqui, a associação de sais de ferro deve ser feita à parte dos complexos, mas geralmente a via oral consegue restabelecer a carência do mineral. Em casos mais graves e em vigência de gestações após a cirurgia, o ferro deve ser administrado por via endovenosa.
Outra deficiência comum é de cálcio e vitamina D. O maior risco associado a essas deficiências é a osteoporose. Dessa forma, faz-se necessária uma rigorosa suplementação desses micronutrientes, que deve ser feita desde o pós operatório em absolutamente todos os pacientes submetidos às cirurgias de redução do estômago. Já na próxima década, nós poderemos avaliar melhor os pacientes após os 60 anos e que foram submetidos à cirurgia bariátrica. Aí sim, teremos uma visão do futuro desses pacientes.
O risco da desnutrição protéica
Por incrível que isso possa parecer, os pacientes de maior risco de perda protéica progressiva são aqueles que deram certo. Exatamente. Aqueles que conseguiram perder peso, alcançar a meta e não voltar a engordar. Frequentemente os vemos muito magros, cabelos rarefeitos e ressecados, têmporas afundadas, revelando a perda do músculo temporal, tão comum em estados desnutricionais graves como a Aids e o câncer.
Essa complicação é praticamente inevitável nos pacientes que deram certo. Isso por conta da intensidade da perda de peso e da difícil ingestão de alimentos protéicos. A intolerância ao leite e às carnes de uma maneira geral, faz com que o paciente deixe de ingerir esses alimentos, que são praticamente as melhores fontes de proteína da dieta. A saída para essa grave problema é a intervenção precoce no sentido de evitar a perda da massa muscular através de orientação nutricional e suplementação.
Pelo visto ainda é cedo para falar em sucesso da terapia cirúrgica. Cura da obesidade já é certo que não ocorre. A única conclusão desses dados é que, se há realmente um benefício potencial da cirurgia bariátrica para os pacientes obesos, ele só é possível através de um acompanhamento médico e nutricional rigoroso por toda a vida.
*Por Ellen Sinome de Paiva, diretora do Citen - Centro Integrado de Terapia Nutricional