Empresas que comercializam suplementos alimentares, alguns deles voltados ao emagrecimento, têm tentado registrar marcas com nomes similares aos conhecidos medicamentos que simulam a ação do hormônio GLP-1, como Ozempic, Mounjaro e Wegovy.
Essas empresas têm se deparado, no entanto, com oposição das farmacêuticas em processos administrativos abertos no Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), órgão federal responsável por registrar e proteger direitos de propriedade intelectual no Brasil.
Nomes como Ozempink, Monjaro HD, Biozempic, Pós-Zempic e Monjaro foram registrados na classe 5 do Inpi, que compreende suplementos e medicamentos, e são descritos de variadas formas nas especificações: suplementos nutricionais, cápsulas de alga marinha para uso medicinal e dietético, pílulas para emagrecimento e preparações medicinais para emagrecimento, por exemplo.
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De acordo com especialistas, além da farmacêutica se opor, o próprio Inpi tem autonomia para barrar o registro por colidência, se notar que dentro daquele nicho de medicamentos e suplementos pode haver uma confusão do consumidor. Caso uma empresa faça uso desse nome de forma arbitrária, isso configura ilegalidade e a farmacêutica pode entrar com uma ação por ter direito de propriedade sobre essa marca, afirma Thamires Capello, doutora em ciências da saúde pela USP (Universidade de São Paulo) e advogada especialista em direito médico.
Essa briga configura apenas mais um capítulo de uma epidemia de busca pelo emagrecimento por meio do uso dos medicamentos para diabetes e obesidade off label, ou seja, fora da bula.
"Esses medicamentos ganharam uma popularidade tão grande que estão sendo vendidos e procurados de forma um pouco arbitrária. As farmácias não estão pedindo prescrição, e muitas vezes, por essa categoria dele conseguir emagrecer a pessoa com facilidade, acabou caindo nas graças da estética", diz ela.
Como o acesso à droga é dificultado pelos altos preços -o valor do Ozempic pode chegar até a R$ 1.300 no Brasil, por exemplo-, surgiram as falsificações, que gerou alertas da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e até da OMS (Organização Mundial de Saúde).
"Surgiram também empresas que acabam usando da vulnerabilidade do consumidor para registrar nomes parecidos e até descrições parecidas para induzir aquela pessoa a tomar determinado produto que muitas vezes pode nem ter registro na Anvisa. Isso é um risco à saúde pública gigantesco", acrescenta Capello.
Neste caso, uma forma que pode ser usada para driblar o registro da Anvisa é a do registro do produto como um suplemento, afirma a advogada Flávia Tremura, sócia do escritório de propriedade intelectual Kasznar Leonardos. Isto acontece porque, embora os medicamentos precisem do aval da agência para a comercialização, não é o caso dos suplementos.
"O suplemento, dependendo da natureza dele, não precisa da autorização da Anvisa. Então a pessoa não vai pedir o registro na Anvisa, ela só pede no Inpi. Esses suplementos se valem disso, porque registram a marca e começam a vender, se lançam no mercado e na hora de fazer a propaganda, colocam 'olha, tem efeito de perda de peso, tira a fome, parecido com o do Ozempic'."
Segundo a Anvisa, conforme regulamento de setembro de 2024, os suplementos alimentares e alimentos para controle de peso, anteriormente regulados diretamente pelas Vigilâncias Sanitárias locais, deverão ser notificados junto à agência. No entanto, não é exigida a obrigatoriedade do registro.
Enquadram-se nessa mesma categoria sem obrigatoriedade alimentos considerados de risco intermediário, como água do mar dessalinizada, alimentos de transição, cereais para alimentação infantil, embalagens recicladas e produtos com alegações, forma que "permite uma entrada mais ágil no mercado."
Para os suplementos que já estavam no mercado, há um período de transição: "a RDC 843/2024 prevê um período de regularização até 1/9/2025 para produtos que já estavam regularizados antes da entrada em vigor da nova regra".
De acordo com o médico especialista em endocrinologia Felipe Henning, o suplemento é caracterizado por uma baixa atividade terapêutica, ou seja, são concentrações muito pequenas que não conseguem exercer nível terapêutico evidente, e por isso é permitido que as pessoas os comprem sem restrição.
Ele alerta para o fato de que, embora o suplemento possa não causar mal, se a pessoa está comprando para diabetes, por exemplo, e interrompe o tratamento medicamentoso, vai ter a doença piorada justamente por não se tratar de um remédio ativo.
Ainda conforme Henning, não há evidências que provem ser errado o uso dos medicamentos emagrecedores fora da bula. Mas é importante ressaltar que essas pessoas estão expostas a efeitos colaterais.
"De um modo leigo, na medicina é o seguinte: o remédio tem que ser pelo menos melhor que a doença. Aquele indivíduo que toma e não tem a doença, qualquer potencial dano é extremamente negativo, sendo desproporcional nesse cenário."
Para evitar se expor aos riscos como náuseas, vômito, tontura e fraqueza, é importante que o uso do emagrecedor seja feito junto ao médico.
Procurada, a Eli Lilly, farmacêutica produtora do Mounjaro e do Zepbound, reforça que é a única fornecedora legal de medicamentos aprovados à base de tirzepatida. Informa ainda que pedidos de registro de marca muito semelhantes representam um risco significativo à segurança do paciente, induzindo-o a acreditar que o produto pode ter sido fabricado pela Lilly, que contém o ingrediente ativo tirzepatida ou que foi aprovado pela Anvisa como uma apresentação de Mounjaro.
A Novo Nordisk, farmacêutica produtora do Ozempic e do Wegovy, afirmou que não endossa o uso off-label de seus medicamentos, ou seja, em desacordo com a bula.
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