A comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a atualização da Lei Pelé avalia mudanças em série no projeto que institui as normas gerais do esporte no país. A legislação, aprovada em 1998, poderá sofrer grandes modificações.
Entre os pontos previstos estão a inclusão de aposentadoria especial para atletas olímpicos, a retirada do limite do direito de imagem dos atletas de futebol, a destinação de parte da arrecadação com apostas online para o esporte e a revisão de critérios para eleições de presidentes de confederações e federações.
As discussões sobre as mudanças devem ganhar força em dezembro e no início de 2022 na Câmara. A atualização da Lei Pelé é relatada pelo deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE). A primeira versão da lei foi criada em 1998, quando Pelé era ministro do Esporte do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
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O debate sobre a aposentadoria especial para atletas olímpicos ganhou força após as Olimpíadas de Tóquio, realizados de julho a agosto deste ano. A Câmara avalia de onde sairiam os recursos para o benefício específico. O debate está entre a arrecadação de apostas online ou a criação de um fundo geral do esporte.
A principal articulação é pela arrecadação de impostos das apostas online, que, embora legalizadas no Brasil, não são regulamentadas e, assim, não pagam tributos. Um plano B é a criação de uma bolsa a ser paga pelo governo federal.
"Temos como uma alternativa a inclusão de uma categoria no Bolsa Atleta de forma permanente para aqueles que nos representaram nos Jogos", afirma o deputado Felipe Carreras. O valor ainda não foi definido e a ideia é que os recursos sejam usados para qualificação profissional após a saída de atuação nas arenas esportivas.
Sobre a regulamentação de apostas esportivas online, os parlamentares consideram que a tributação seria benéfica com as cifras convertidas ao esporte.
"Destinar um percentual do arrecadado com essas apostas para o esporte é mais do que necessário e desejável, semelhante ao critério de distribuição das loterias ao esporte", afirma Carreras.
"Os jogos de apostas que envolvam qualquer modalidade esportiva terão que ter a validação do COB (Comitê Olímpico do Brasil). Não sendo olímpica, da federação ou entidade que a represente."
No caso do futebol, por exemplo, o aval para as apostas regulamentadas seria feito pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
As confederações de modalidades esportivas também estão na mira da Câmara dos Deputados. O principal foco é no processo de eleição de dirigentes que comandam as organizações.
Os parlamentares querem colocar um ponto no projeto da nova Lei Pelé para rever o peso de votos no critério das eleições dessas entidades.
Para o relator da proposta na Câmara, não se trata de uma interferência do Legislativo nas instituições esportivas, "pois o artigo 18-A da Lei Pelé não obriga estas instituições privadas [caso da CBF, que prefere não contar com verbas do governo para manter sua independência] a seguirem essas regras, mas estabelece que, para receber recursos públicos, devem ter requisitos de governança estabelecidos. De forma bem simples, o estado como patrocinador dessas entidades exige algumas condições como em qualquer contrato de patrocínio".
Na CBF, a Assembleia Geral da entidade alterou, em 2017, o peso dos votos para eleição de presidente da casa. As federações têm peso 3, enquanto os clubes das Séries A e B têm 2 e 1 de peso, respectivamente.
Em um cenário de todas as federações votarem unidas em um único candidato e todos os clubes divergirem em prol de outro postulante, vence aquele que teve apoio das representações federativas estaduais.
Especialista em direito esportivo, o advogado João Marcelo Neves entende que a Constituição Federal prevê autonomia para a questão esportiva, abrindo espaço para excessos em regulamentos e organização das entidades. Na visão do jurista, a autonomia das confederações é limitada.
"Não pode a entidade desportiva tratar o desporto como algo sem limitações, regras ou princípios tão somente com base nessa autonomia constitucionalmente elencada", alega.
"A regra posta [da CBF] pode violar o Princípio da Isonomia, ao dar pesos distintos aos votos e dificultar a alternância de poder", acrescenta.
Também está na mira dos parlamentares a mudança na forma como é gerido o direito de imagem de jogadores de futebol. Atualmente, o benefício é limitado a 40% do contrato de trabalho desses atletas.
Na avaliação do relator, a medida pode dar flexibilidade na gestão dos clubes e consequentemente uma remuneração maior para os atletas. Felipe Carreras também acredita que a retirada do teto percentual pode dar liberdade de negociação aos clubes e transparência sobre o direito.
Para entidades representativas dos atletas, a discussão precisa levar em conta o lado dos protagonistas do esporte.
"A raiz da construção legislativa sempre vem com um grande equívoco. Sempre é como fazer para melhorar a condição para o clube e nunca para o atleta. Essa visão é problemática", afirma Rinaldo Martorelli, presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo e da Divisão Américas da Federação Internacional de Futebolistas Profissionais.
A categoria defende que o atraso no pagamento dos direitos de imagem possa abrir possibilidades para a rescisão do contrato de trabalho.
"Quando o atraso vem, o discurso dos clubes é que o contrato de trabalho está em dia, que geralmente é 10% do total da remuneração. Dizem que o contrato de imagem é outra coisa e não é", acrescenta.
"Não importa o limite, se é de 40% ou outro valor, se os clubes têm por regra não cumprirem. Defendemos o cumprimento da obrigação", frisa.
A minuta do texto também cita a aplicação da exigência de clube formador para todos e faz menção à tragédia ocorrida no Ninho do Urubu, do Flamengo, em 2019 no Rio de Janeiro, onde um incêndio resultou na morte de dez garotos e deixou três feridos. Para o relator, o objetivo é "garantir a integridade dos atletas e evitar eventuais tragédias como a ocorrida no ninho do Urubu".
"Entendemos que as exigências que a Lei Pelé já faz aos clubes formadores devam ser estendidas a todos. Salientamos que hoje apenas 38 clubes estão nesta categoria dos 650 em funcionamento no país", diz o deputado Felipe no texto do esboço inicial da nova lei.
O rascunho do projeto também prevê dobrar a destinação de verbas das loterias para as secretarias estaduais do esporte de R$ 55 milhões, dentro do R$ 1 bilhão enviado ao setor esportivo em geral, para R$ 110 mi.
A atualização da legislação também impacta nos profissionais de educação física. Pelo texto, haverá exclusividade apenas para esse grupo ser professor de educação física. A comissão especial estima que cerca de 30% dos que lecionam a disciplina não têm formação na área. O colegiado ainda quer ampliar a carga horária da matéria para pelo menos três aulas por semana na educação básica.
O relator Felipe Carreras também defende que as modalidades de competições eletrônicas sejam reconhecidas como manifestações esportivas, como os eSports.
Até a votação do projeto, sem data definida, os deputados vão realizar audiências públicas para ouvir as partes citadas no projeto, como atletas, clubes, entidades, dirigentes e ex-atletas.