Seis anos separam o menino de 11 anos que teve um braço amputado após ser atacado por um tigre do atual jovem de 17 anos que virou uma promessa da paranatação brasileira. O acidente, ocorrido em 2014 no zoológico de Cascavel, no oeste do Paraná, foi filmado por turistas, e as imagens chocaram o país na época. De lá para cá, algumas características de Vrajamany Rocha não mudaram, como as poucas palavras para contar sua história. A maturidade, no entanto, é digna de atleta profissional, afirma seu treinador.
A evolução rápida na água e a inteligência em captar os recados do técnico fazem crer que o jovem está no caminho certo para realizar o sonho de chegar a uma Paraolimpíada. "Ele está evoluindo rápido. Não vou falar de Tóquio [em 2021] porque não sei, mas, para a [Paraolimpíada] seguinte, tem muito mais chance", diz Thales Souza sobre o aluno. Há quase três anos, ele foi convidado para treinar no Centro Paraolímpico Brasileiro, em São Paulo, onde pratica o maior medalhista da natação paraolímpica, Daniel Dias, que subiu ao pódio 24 vezes.
O primeiro contato com a água veio justamente das dificuldades enfrentadas por Vrajamany pela falta do braço –a natação foi indicada como reabilitação. A recuperação foi um pulo para a prática profissional do esporte, ao ponto de, nas paraolimpíadas escolares de 2019, ele bater recordes em cinco provas. "Eu não sonhava em ser nadador profissional, mas depois de começar a treinar, participar de competições e ganhar medalhas, pensei: 'Nossa, não é tão difícil, tenho talento para isso'", conta o atleta.
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A naturalidade para descrever o sucesso no esporte é a mesma que usou para narrar a mordida que sofreu do tigre Hu, que o levou à amputação. O episódio completou seis anos no último dia 30 de julho. Já na época, Vrajamany havia chamado para si a responsabilidade pelo ataque, isentando o animal e o pai, que o acompanhava na visita ao parque. Ignorando os avisos, ele invadiu uma área proibida em frente às jaulas do tigre e do leão e se pendurou na grade para dar comida aos animais. Ao esticar o braço direito para dentro da grade onde Hu estava, foi atacado.
"Por mais que o que aconteceu tenha sido ruim, hoje só me trouxe coisas boas", reflete sobre o ocorrido. "Foi uma fatalidade que aconteceu na minha vida, mas nunca fiquei deprimido ou abatido por isso." A forma que o atleta encontrou para encarar o episódio chamou mais a atenção do técnico que a história que o levou a perder o braço. "Ele não ficou parado no tempo, foi em frente e evoluiu sua forma de pensar, o que o ajudou a amadurecer rápido", diz Souza. Com a pandemia do novo coronavírus, que paralisou treinos e competições, Vrajamany mantém em casa, em São Paulo, uma rotina diária de pelo menos quatro horas de exercícios.
A prática inclui movimentos de pilates que o ajudam a fortalecer a musculatura do tronco. Se bem treinada, a região compensa a falta do braço, que tende a prejudicar o equilíbrio na água. Apesar de ainda fazer parte da base do time principal da paranatação brasileira, Vrajamany já foi quatro vezes medalhista de prata no campeonato nacional. As vitórias levam Souza a crer que logo seu aluno estará entre os grandes. Ao lado do compromisso com o esporte, a mudança de entendimento sobre a melhor forma de tratar os animais é, para Souza, outra demonstração de maturidade de Vrajamany.
Há dois anos, ele se tornou vegetariano, após se aprofundar nos estudos de biologia no ensino médio e sob influência de um tio que vive em uma comunidade hare krishna. Apesar de não ter voltado mais a Cascavel, onde mora seu irmão mais novo –motivo da visita de 2014 à cidade–, Vrajamany não se esqueceu do animal que mudou a sua história. De longe, ele continua acompanhando o tigre: "Sei que ele não está bem porque não é animal de cativeiro para estar em um zoológico, mas é tratado do melhor jeito possível".