Literatura

A eterna rainha dos balangandãs

26 dez 2005 às 17:28

Sua família estava com as malas prontas para emigrar de Portugal ao Brasil. Quando sua mãe se viu grávida, decidiu adiar o embarque com medo de perder a criança durante a longa viagem de navio. Assim, por acaso, Maria do Carmo Miranda da Cunha nasceu em solo português, em fevereiro de 1909.

Chegaria ao Brasil como bebê de colo, filha de um barbeiro e uma dona de casa. Ninguém imaginava que aquela criança, carinhosamente apelidada de Carmen pela família, se tornaria uma personalidade ímpar da cultura brasileira. Segundo a lenda, a mulher brasileira mais famosa do século 20.


A vida de Carmen Miranda (1909 - 1955) rendeu um punhado de biografias. Transformada em mito, arrebanhou uma multidão de fãs sedentos de histórias. Ruy Castro, autor de biografias de figuras como Nelson Rodrigues e Garrincha, estava de olho em Carmen há mais de dez anos. Agora, após anos de pesquisas, chega às livrarias, ''Carmen - Uma Biografia de Carmen Miranda''.


Lançado pela Companhia das Letras, o livro é a biografia mais extensa e detalhada da ''Pequena Notável''. Ruy Castro deixou de lado o pitoresco para narrar a história de uma grande cantora, para apresentar a vida de uma mulher extremamente ousada, moderna e independente para a época.


Aos 21 anos, Carmen era uma das grandes rainhas do rádio. Sua voz era disputada a tapas pelas emissoras cariocas. Lançava praticamente quatro discos por mês vale lembrar que na época os discos tinham apenas duas faixas, uma de cada lado. Gravou os grandes compositores que se tornariam mestres da Musica Popular Brasileira. Rapidamente se tornou estrela dos cassinos, apresentando shows em que sambas e marchinhas ganham uma performance sedutora.


Miranda costumava dizer que atribuía seu sucesso 30% à sua voz, 30% à sua disposição e 50% às suas fantasias uma soma que superava os 100%. O fato é que foi a inventora da ''sandália plataforma'', que tinha como objetivo aumentar sua altura de um metro e meio, e o uso dos famosos balangandãs. Desenhava e costurava os próprios vestidos, que chegavam a pesar oito quilos. Também criava seus característicos turbantes de cinco quilos.


No auge do sucesso no Brasil e Argentina, foi convidada a realizar shows e filmes nos Estados Unidos. Aceitando o desafio, conquistou a América com seu carisma e sua arte. Em 1944, Carmen foi a pessoa que mais ganhou dinheiro nos Estados Unidos. Bateu todos os faturamentos de empresas, bancos e astros de Hollywood.


Nos períodos mais agitados shows, ensaios, filmagens, compromissos e viagens Carmen conseguia dormir, ao longo de meses apenas duas horas por dia. Para conseguir tal façanha usava anfetaminas para ligar e barbitúricos para desligar. Para não dispensar trabalho, acabou viciada em drogas vendidas com receita médica. Esse ritmo abalou sua saúde levando-a prematuramente à morte.


Em ''Carmen'', Ruy Castro apresenta a história de Miranda a partir de informações, não de interpretações. Grande parte da interpretação o autor deixa a cargo do leitor. Mesmo com essa postura, defende a tese de que Carmen, no Brasil, era uma grande cantora, nos Estados Unidos foi transformada em comediante dentro da indústria do entretenimento. Seus produtores insistiam que ela devia ter a pronunciar de um inglês errôneo com o objetivo de gerar gargalhadas na platéia, além de trocar o português pela língua espanhola num projeto político de ''boas vizinhanças''.


São várias as gerações que nunca viram Carmen Miranda cantando e dançando. Como são várias as gerações que nunca viram Pelé jogando bola. Nesse sentido, a biografia da Ruy Castro oferece a história de uma mulher que levou uma vida semelhante aos heróis do rock dos dias atuais. Só que cantando samba. Após 50 anos de sua morte, tudo indica que na indústria da música e do cinema, nada mudou. Nem uma vírgula.

Serviço:
Livro ''Carmen - Uma Biografia de Carmen Miranda'', de Ruy Castro

Editora Companhia das Letras
598 páginas
R$ 55,00


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