O calendário pode ter se despedido do verão nesta semana, mas o calor que predomina no país e enche as praias por toda a costa denunciam que, depois de anos de conservadorismo em Brasília e de uma pandemia que trancou boa parte da população em casa, o brasileiro nunca esteve tão pelado e assim deve permanecer.
Prova disso foi o Carnaval. Embora tenha sido marcada pela morte da Globeleza, o maior símbolo de nudez do país, a festa teve um de seus momentos mais marcantes quando Marcela Porto, a Mulher Abacaxi, desfilou na Sapucaí pela Acadêmicos de Niterói com os seios completamente à mostra, sem tapar os mamilos, como de costume.
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Ela não foi a única, no entanto, a apostar na nudez. Como se tivessem combinado fazer um revival dos anos 1980, as atrizes Deborah Secco e Paolla Oliveira, a cantora Pocah e rainha de bateria da Mangueira, Evelyn Bastos, usaram biquínis de asa-delta cavadíssimos.
A musa da Mangueira, Renata Frisson, conhecida como Mulher Melão, desfilou com o mesmo adereço, com a palavra liberdade pintada na barriga, numa tentativa de confrontar o assédio sexual. "Não é porque nosso corpo está à mostra que a gente está disponível", afirmou.
Frisson fez coro às mulheres que foram aos bloquinhos com os seios à mostra, com exceção dos mamilos.
A Pantynova, marca brasileira que diz priorizar o bem-estar para todos os gêneros e sexualidades, registrou um aumento de 10% nas vendas de harness no Carnaval. Comumente ligada a fetiches sexuais, a peça, feita de duas tiras finas que abraçam o peitoral, predominou nos bloquinhos.
Pudera. É, afinal, o primeiro Carnaval depois da quarentena contra a Covid-19, e o tesão acumulado parece ter enfim explodido. A tendência, no entanto, já era vista aqui e ali há alguns anos, principalmente no exterior.
A Miami Swim Week, evento de moda praia realizado no balneário americano, foi tomada pelos biquínis de asa-delta no ano passado. Mais recentemente, em fevereiro, a Gucci pôs não só mulheres, mas homens também na passarela da Semana de Moda de Milão para desfilar com a "G string".
A peça é uma espécie de biquíni ou sunga que tem a traseira feita apenas de uma tira finíssima que é completamente engolida pelo bumbum, algo parecido com o que Anitta, por exemplo, usou para gravar o videoclipe de "Vai Malandra".
Professora de história da moda na Fundação Armando Álvares Penteado, a Faap, Maíra Zimmermann acredita que muitas mulheres estão se relacionando com o próprio corpo de uma maneira mais hedonista, sensual e lúdica.
É, para ela, uma tendência que vem na esteira de como elas têm mudado sua relação com o assédio e a autoestima.
Ela afirma que o corpo com curvas abundantes à mostra, como o de Anitta, poderia ser considerado vulgar se visto pela ótica do esguio, que domina as passarelas e editoriais da alta-costura.
No entanto, já há alguns anos, ela diz, o corpo próximo à magreza extrema divide o posto de desejado com o curvilíneo de figuras como Kim Kardashian e Luísa Sonza.
As mulheres não estão sozinhas. Nos bloquinhos de rua, muitos homens aderiram às calças legging, aos collants e aos croppeds, peças historicamente associadas ao corpo feminino.
Segundo o designer Mário Queiroz, autor do livro "Homens e Moda no Século 21", esta é também uma maneira que os homens encontraram de se juntar às mulheres feministas para contestar o patriarcado por meio da sensualidade. "O padrão do homem severo está desmoronando", diz ele.
Depois de aderirem a shorts cada vez mais curtos hoje produzidos até por marcas alguns patamares acima do circuito de fast-fashion, com tecidos como sarja e linho e à cintura caída que revela pedaços generosos da cueca, muitos, principalmente os gays, têm usado sungas ultracavadas, contra o bermudão de surfista que, até pouco tempo atrás, dominava a paisagem praiana.
Peças com furos que expõem a pele e camisetas de uma só manga são outros exemplos de como o homem está seguindo os passos da mulher tal qual elas fazem com minissaias e os biquínis de asa-delta ou fio-dental.
É verdade que os homens já exibiram o corpo antes. Jovens soldados que retornaram musculosos da Segunda Guerra Mundial posaram usando tanguinha para a extinta revista de fisiculturismo Physique Pictorial.
No Brasil, Fernando Gabeira importou a peça para a praia de Ipanema em plena ditadura militar.
A novidade, diz Queiroz, o estilista, é a pluralidade dos corpos, o que ganha cada vez mais força conforme as marcas aderem aos corpos que vão além do magro e musculoso. A Bannanna, dedicada aos homens gays, por exemplo, expandiu o catálogo de sungas cavadas e cuecas fio-dental para collants e maiôs em uma coleção para o Carnaval.
Embora os gays ainda sejam o maior público da Bannanna, os homens heterossexuais estão aderindo à tendência. Nelson Silva, criador e diretor da marca, diz que há mulheres que vão à sua loja, no bairro paulistano de Pinheiros, comprar as peças para seus namorados e maridos.