"Eu não tenho nenhuma vocação para poesia ou para frases de efeito, mas eu gosto muito da Chimamanda. Naquele livro que ela escreve para uma amiga que teve um bebê, e esse bebê é uma menina, uma das coisas que ela fala é que a gente precisa trabalhar a educação de homens e mulheres no sentido do gênero. É só assim que vamos mudar a realidade da violência”, avalia a promotora Susana de Lacerda.
Em homenagem às mulheres, o Portal Bonde selecionou personalidades que se destacam em suas atividades para a série #MulheresReais. Ao longo de março, a equipe do Bonde apresenta as histórias incríveis dessas mulheres que atuam em diversos segmentos da sociedade e fazem a diferença.
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Natural de Santo André (região metropolitana de São Paulo), Susana Broglia Feitosa de Lacerda possui uma trajetória de 24 anos no Ministério Público. Em Londrina, atuou no Júri e, por quase dez anos, na Promotoria responsável por casos de violência doméstica contra mulheres e crimes contra crianças e adolescentes. O sonho de estar no Ministério Público veio, contudo, só depois de se formar. "O juiz acaba tendo um papel mais de esperar a provocação, e não é do meu temperamento esperar a provocação. Meu temperamento é da ação”, pondera.
Sobre casos de machismo ao longo carreira, Susana afirma: "Quem diz que não passou, não percebeu. Quando se exerce um cargo de poder e se toma atitudes que não agradam, as críticas sempre vêm permeadas de argumentos sexistas, misóginos, que nunca se referem à questão da competência – é aí que o machismo e o patriarcado estão presentes”.
Casada e mãe de uma filha, Susana tem um olhar positivo sobre as novas gerações. "Apesar dos estudiosos dizerem que nós vamos alcançar uma igualdade de gênero daqui a mais de 200 anos, eu percebo (e isso me deixa otimista) minha filha muito mais pronta para enfrentar essas dificuldades do que a minha geração”.
A promotora relatou que uma das maiores dificuldades enfrentada na sua carreira foram os casos de exploração de crianças descobertos de forma paralela às investigações da Operação Publicano. Susana comentou que "há uma mentalidade que essas meninas fizeram uma opção, que elas escolheram isso, e que se o corpo delas estava à venda, quem comprou, pagou, então ok. Fica clara a mentalidade de que a mulher é um objeto, principalmente se ela é pobre, se é a filha do outro”.
Susana conta que esse caso, junto com toda a trajetória dentro da promotoria de violência doméstica, a fez também entender, na prática, a existência privilégios sociais. "A gente não pode esquecer do recorte gênero, raça e classe. Quando escuto o relato das mulheres negras e pobres, as situações que eu tenha eventualmente passado, foram extremamente leves perto das que elas passam no cotidiano”, ressalta.
Agora, na promotoria da saúde, Susana traz consigo o olhar para a saúde das mulheres, apreendido na última década. Ela ressalta que a maioria das políticas se destina ao exercício da maternidade e não à saúde da mulher propriamente dita.
"Recentemente, eu fui procurada por um grupo de mulheres que luta por um atendimento digno, rápido e eficiente no SUS para endometriose, que é uma doença que acomete no mundo – e no Brasil não é diferente – 10% das mulheres. As dores são piores que as dores do parto e muitas mulheres estão sofrendo com isso há três ou quatro anos sem um diagnóstico”. Ela relata ainda que teve a doença, e foi diagnosticada apenas em Londrina.
Após ouvir sobre a trajetória e relatos da promotora, a reportagem a pergunta: hoje você se considera feminista? "Pensar em gênero é colocar uma lente, enxergar que foram estabelecidos ao longo dos anos papéis que deveriam ser só de homens e só de mulheres. Eu sempre tive essa lente e quando eu fui trabalhar com a violência contra a mulher, essa lente ficou limpa”, esclarece. Então, responde: "eu penso que sempre fui feminista”.
(*Sob supervisão de Fernanda Circhia)