Um dos brasileiros que foi vítima de tráfico humano em Mianmar, contou como era a rotina de torturas, e o que precisava fazer para aplicar golpes a mando da máfia chinesa.
Phelipe de Moura Ferreira, 26, contou que fingia ser uma modelo chinesa e contatava mulheres e homens brasileiros. Sob ameaças e tortura, ele era forçado a aplicar golpes digitais. As vítimas eram atraídas por meio do Instagram e WhatsApp.
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"Falando nisso, gente, tomem cuidado, tá bom? Se algum modelo de Taiwan, alguma pessoa de Taiwan, entrar em contato com vocês, cuidado! Tá bom? Porque são esses golpistas", explicou, em um relato nas redes sociais, com o intuito de alertar as pessoas.
Nas mensagens, a "modelo" dizia ser chinesa e moradora de Bangkok, na Tailândia. O brasileiro relatou que ficou quatro dias escrevendo o roteiro que usaria nos golpes.
"Todo dia eles torturaram pessoas. Colocavam música chinesa muito alta e levavam as pessoas para uma sala do RH, onde eram espancadas. Eu tinha meta para bater. A primeira foi de US$ 5 mil e antes da fuga estava em US$ 10 mil", disse Phelipe de Moura Ferreira, 26.
Os brasileiros ficaram mais de três meses reféns após aceitarem supostas propostas promissoras de emprego na Tailândia. Phelipe e Luckas ficaram presos em uma fábrica em Myawaddy, entre outubro e novembro de 2024, onde eram forçados a trabalhar 15 horas por dia.
Phelipe disse que já conhecia o caso de Luckas Viana dos Santos quando recebeu a proposta de emprego.
"Eu não conhecia o Luckas. Eu tinha visto a reportagem do Luckas, mas não imaginei que iria para o mesmo lugar. Eu recebi a proposta quando estava no Uruguai trabalhando. Como eu já tive uma experiência com uma empresa chinesa, e a proposta era muito boa, muito atraente, eu resolvi ir", explicou.
"Eu percebi que tinha algo estranho quando a gente trocou de carro. Foi nessa hora que eu mandei mensagem para um amigo, e mandei minha localização. Após a troca, eu fui dormir em um hotel, quando foi 8h a chefe da empresa entrou em contato e disse que outro carro iria me buscar. Eu estava desconfiado, mas não resisti. Me levaram para uma casa no meio do nada, depois andei de carro por mais umas 3 horas e cheguei em um campo [...] vi um monte de cara armado", conta Phelip.
O brasileiro mostrou, ainda, hematomas nas pernas, mas disse que "não sofreu tanta agressão". "Fiz o máximo para não ser agredido", relatou.
Atraído por proposta de R$ 2.000, Phelipe foi obrigado a assinar um contrato quando chegou ao cativeiro.
"Eu assinei o 'contrato', porque o contrato é falso, e aí foi lá que percebi que eu tinha caído numa cilada, porque o salário que eles tinham comentado comigo, que era de R$ 2.000, para falar a verdade, era R$ 780. E lá no contrato estava explicando que a gente não tinha salário, que a gente tinha só uma comissão e que a gente tinha que trabalhar para receber essa comissão", explicou.
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BRASILEIROS FORAM ENCONTRADOS POR MILÍCIA APÓS FUGA
Os brasileiros fugiram no último dia 8 de fevereiro e foram encontrados na segunda-feira (10) por grupo armado em Mianmar.
Segundo familiares dos dois, eles conseguiram escapar do local onde eram mantidos reféns junto a um grupo de centenas de estrangeiros, também vítimas de tráfico humano no país asiático, que vive sob regime ditatorial militar há quatro anos e é dominado por milícias pró e contra o governo.
Eles foram capturados e detidos por agentes do DKBA (Exército Democrático Karen Budista). O grupo armado, composto por rebeldes dissidentes das Forças Armadas de Mianmar, encaminharam os estrangeiros a um centro de detenção local após negociações com a Exodus Road.
A organização confirmou a fuga dos brasileiros e de outros 368 estrangeiros de 21 países.
O brasileiro se comunicou com o pai antes da fuga. Em mensagens enviadas de um número desconhecido, Phelipe informou ao pai, Antonio Calos Ferreira, que tentariam fugir. "Vamos tentar daqui a pouco. (...) Se acontecer algo comigo saiba que eu tentei ao máximo", escreveu.
O resgate não teve apoio do Ministério das Relações Exteriores e embaixada brasileira, segundo famílias.
"O mérito [do resgate] foi todo da ONG [Exodus]. A embaixada [brasileira] só ficou aguardando a boa vontade das autoridades de Mianmar, que não iam fazer nada. Já sabiam onde eles estavam e tinham que ter pressionado mais, mas não fizeram. Quem pressionou foi a ONG", afirma o pai de Phelipe.
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