A professora universitária aposentada Aneli de Melo Barbosa Dekker dedicou toda a sua vida profissional ao ambiente acadêmico e ao desenvolvimento científico. Docente do Departamento de Bioquímica e Biotecnologia da UEL (Universidade Estadual de Londrina), ela nunca havia pensado em empreender. Foi quando recebeu a notícia de que a patente para a produção de uma substância desenvolvida por ela nos laboratórios da universidade havia expirado e viu ameaçado todo o seu legado como pesquisadora que decidiu abrir seu CNPJ.
Para manter ativa a produção de beta-glucana, uma substância obtida a partir da cultura de um fungo, Dekker criou uma startup e hoje é proprietária de uma empresa de cosméticos que tem a beta-glucana como principal princípio ativo.
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A história de Dekker é um exemplo de um movimento que vem se expandindo no país nos últimos anos, o empreendedorismo 60+. Somente no Paraná, o público sênior compõe 13% do total de empreendedores. São 213 mil negócios que têm à frente pessoas acima dos 60 anos de idade, número que corresponde a uma alta de 9,2% em relação a 2016, quando eram cerca de 195 mil empresas administradas por essa população, segundo levantamento do Sebrae/PR que tomou como base a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) - Terceiro Trimestre de 2024, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
São várias as razões para a ocorrência desse fenômeno. O aumento da expectativa de vida dos brasileiros, que em 2023 chegou a 85 anos, é um deles. Mas contam também outros fatores, como a cultura corporativa etarista, que tende a dispensar os funcionários mais experientes, a dificuldade de reinserção no mercado de trabalho, o valor da aposentadoria insuficiente para atender às demandas da terceira idade e a sensação de ociosidade que muitas vezes vem com a aposentadoria, para citar alguns deles.
Seja o empreendedorismo de oportunidade ou de necessidade, fato é que os brasileiros acima dos 60 anos de idade vêm mostrando ano a ano que vestir o pijama e calçar as pantufas nessa fase da vida não é mais uma opção.
Diante da sua relevância, o tema é discutido no Congresso Nacional. Em 2023, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) apresentou um projeto de lei com o objetivo de estimular o empreendedorismo entre os idosos. O texto prevê a criação de linhas de crédito e garantias diferenciadas para essa faixa da população, além de juros menores e redução da burocracia. A matéria ainda tramita na casa legislativa.
“A perspectiva é de que isso vá aumentando. Há uma mudança de olhar para a população que vai envelhecendo”, apontou a consultora do Sebrae/PR, Liciana Pedroso. “Quando vivem mais, têm disponibilidade para continuar produzindo, para quem vem de uma trajetória de trabalho no mercado formal, com CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), ou já empreendendo, essas pessoas têm o que entregar para a sociedade.”
A coordenadora de Relacionamento com Clientes do Sebrae/PR, Letícia Monteiro Pimentel, avalia que o ingresso dos idosos no empreendedorismo reforça que essa etapa da vida não representa inatividade. Ao contrário, é uma fase produtiva e inovadora, quando o trabalho e o propósito caminham juntos, com experiência, resiliência e uma gestão estruturada. “Temos o compromisso de fortalecer esses ecossistemas por meio de capacitação, atendimento, suporte e soluções que garantam um ambiente propício para inovar, gerar empregos e impactar positivamente a sociedade.
No processo de desenvolvimento do empreendedorismo, disse Pedroso, não há diferenças entre os públicos mais jovem ou mais maduro. Mas a consultora observa, entre os mais velhos, maiores facilidades para algumas questões porque já trazem com eles a experiência de vida e uma bagagem de conhecimento acumulado ao longo da carreira profissional. “Eles tendem a ter uma condução mais estruturada do negócio, decisões mais assertivas.” Por outro lado, precisam de uma atenção maior em alguns aspectos, como o uso da tecnologia, por exemplo.
Pedroso também destaca a busca constante por aperfeiçoamento, capacitação e informações sobre a área em que atuam, assim como a disposição para participar de cursos, eventos, rodadas de negócios, sempre procurando redes nas quais possam se inserir.
Dekker abriu sua empresa em 2020. Em março daquele ano, enquanto grande parte da população era obrigada a se isolar para evitar a contaminação pela Covid-19, ela trabalhava na estruturação de seu negócio. “Fiz obras, montei laboratório, fiz cursos pela internet e, em dezembro de 2020, consegui fazer a primeira produção de beta-glucana exclusiva para o uso em nossos produtos”, relembrou a professora.
A empresa de Dekker produz a beta-glucana e os cosméticos são feitos de forma terceirizada por duas empresas, uma de Londrina e outra de Curitiba, seguindo as formulações repassadas pela professora mediante um contrato de sigilo.
“Quando eu montei a empresa, já tinha as formulações dos cosméticos, clientes, mas não tinha redes sociais. Nos primeiros cursos pelo Sebrae, eu nem sabia o que era Facebook e Instagram. Fui aprendendo que eram importantes, esse canais”, contou Dekker.
Além de abrir as contas nas redes sociais para divulgação de seus produtos e benefícios advindos com o uso dos cosméticos, Dekker também aprendeu sobre a importância das planilhas, fluxo de caixa, custo fixo e variável, identidade visual e vários outros conceitos comuns aos administradores de empresas, mas que até então não faziam parte da vida de uma pessoa que teve toda a trajetória profissional pautada na produção acadêmica e científica. “Fiquei sabendo de muitas coisas que envolvem a tomada de decisão na empresa”.
Com capital próprio, Dekker bancou a produção, confiante nos resultados positivos já comprovados pelos seus estudos científicos e pelo feedback dos amigos e conhecidos que utilizavam os produtos à base de beta-glucana.
Embora a startup ainda esteja em processo de estruturação, entre 2020 e 2023, registrou crescimento de 700%. “Meu sonho é terminar de estruturar a empresa e vender a maior parte dela. Queria alguém que levasse para frente e eu pudesse dar consultoria. Todo pesquisador sonha em deixar um legado. Eu queria que os resultados das minhas pesquisas chegassem à comunidade. Não é fácil. É um desafio constante. Mas estou retornando para a comunidade o que foi investido em mim por meio das bolsas de pesquisa.”
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