Apenas um terço dos medicamentos contra o câncer aprovados pela FDA (agência americana reguladora de fármacos) com base em dados preliminares de ganho de sobrevida consegue demonstrar esse benefício de fato nos anos seguintes.
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A conclusão é de um estudo publicado na revista científica The Lancet, que avaliou drogas oncológicas aprovadas entre 1º de janeiro de 2001 e 31 de dezembro de 2018, e depois, dados de sobrevida global quando elas já estavam no mercado (até 31 de março de 2023).
A sobrevida global é tida como o resultado mais confiável ao avaliar a eficácia de novos remédios contra o câncer, mas essa medição deixou de ser o objetivo principal dos ensaios clínicos, sendo frequentemente incluída como desfecho secundário, segundo o estudo.
Outros parâmetros têm sido utilizados como objetivo principal, como risco de progressão da doença ou taxa de redução do tumor, e aceitos pela agência reguladora. Isso pode encurtar a duração dos ensaios clínicos e acelerar o aval para a comercialização desses medicamentos.
De acordo com estudo, quando a sobrevida global é incluída como principal parâmetro de um ensaio clínico, a FDA pode conceder aprovação da droga com dados preliminares, com compromisso de a farmacêutica atualizar depois essas informações -o que muitas vezes não acontece.
No período do estudo, a agência concedeu autorização de comercialização para 223 medicamentos contra o câncer -95 das quais tinham a sobrevida global como meta. Dessas, 41% tinham dados preliminares de sobrevida quando foram aprovados.
Após uma média de 4,3 anos de acompanhamento, dados adicionais de sobrevivência dos ensaios principais tornaram-se disponíveis em rotulagem revisada ou publicações, ou ambos, para 38 indicações. Dessas, 12 (32%) mostraram um benefício estatisticamente significativo e 24 (63%) não demonstraram.
Para os pesquisadores, as descobertas têm implicações globais porque a FDA é normalmente a primeira agência reguladora a aprovar novos medicamentos contra o câncer, e os seus padrões de evidência influenciam outras agências pelo mundo, como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Segundo o farmacêutico Dirceu Barbano, ex-presidente da Anvisa, o aumento do diagnóstico de casos de câncer e o lançamento de novas drogas têm pressionado as agências regulatórias a serem rápidas na aprovação, muitas vezes com dados preliminares dos estudos clínicos, mas, depois, há uma dificuldade de acompanhamento do desfecho desses ensaios.
"Há casos em que a droga diminui o tumor, mas a pessoa morre mesmo assim em consequência do câncer ou do próprio tratamento", diz Barbano.
De acordo com os pesquisadores, há outras hipóteses que podem explicar a baixa taxa de sobrevida global encontrada no estudo, como a passagem dos participantes do grupo de controle dos ensaios clínicos para o grupo de tratamento no momento da progressão da doença.
Outro problema apontado no estudo foi que nos casos em que a droga entrou no mercado com dados preliminares de sobrevida, as informações atualizadas não estão facilmente disponíveis aos médicos e pacientes.
"A agência aprova com dados preliminares para que, depois, sejam atualizados. Mas essa informação depois não vai parar na mão do médico. Quando existe, está restrita ao site do FDA. Os pesquisadores identificaram, inclusive, medicamento com informação errada, que se mostrou melhor do que quando foi desenhado e isso não foi mudado na bula", diz Barbano.
Segundo a médica Adriane Fugh-Berman, do departamento de farmacologia e fisiologia da Universidade de Georgetown (EUA) e que pesquisa o assunto, a maioria dos medicamentos contra o câncer enfrenta esse problema de os rótulos não serem alterados quando já estão no mercado. "Os rótulos não são atualizados regularmente, a menos que um efeito adverso sério seja identificado", afirma.
Para o médico Luís Correia, diretor do centro de medicina baseada em evidência das Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, a pesquisa ensina que uma droga nova, embora possa fazer parte das opções dos médicos, ainda precisa ser mais bem compreendida.
"Entre essas drogas que não demonstraram posteriormente redução de mortalidade, algumas podem não valer nada, outras podem valer alguma coisa modesta, outras podem até reduzir mortalidade, mas os estudos ainda não demonstraram isso. Evidência é assim, ela vai se construindo."
Correia explica que quando se olha a média de sobrevida de pacientes tratados com uma droga nova, mesmo que haja uma melhora, isso ocorre em uma minoria. "A gente trata muitos pacientes graves de câncer para conseguir beneficiar poucos."
Para ele, a FDA, ou a própria Anvisa tem uma régua um pouco menor em comparação aos órgãos que analisam a incorporação do medicamento ao sistema de saúde, como a Conitec, que tendem a considerar o aumento sobrevida global como parâmetro.
"Elas [as agências reguladoras] olham aquilo apenas como um produto médico [que precisam demonstrar segurança e algum grau de eficácia]."
Na sua opinião, isso não significa, porém, que esses medicamentos não devam ser usados quando não há evidências claras de aumento de sobrevida. "Para muitos pacientes, essa é a única esperança e vale a pena tentar se não estivermos considerando o custo disso."