Um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros da Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto) mostrou que o consumo de comida gordurosa pode levar ao aumento de sintomas de ansiedade e outras condições mentais.
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Segundo Sylvana de Noronha, principal autora da pesquisa, uma dieta rica em gordura pode alterar a microbiota do nosso intestino, que tem impacto direto nas funções do cérebro.
O estudo, publicado na revista científica Biological Research, foi feito em parceria com a Universidade do Colorado em Boulder (Estados Unidos) e avaliou modelos animais. Noronha explica que a identificação da microbiota também é uma descoberta importante, que pode orientar estudos futuros.
Para entender esse processo, os cientistas dividiram os roedores em dois grupos. Durante nove semanas, metade recebeu uma dieta baixa em gordura, de cerca de 11%, e metade uma composta de 45% de gordura, especialmente a saturada de origem animal. Ao longo do período, as amostras fecais dos animais foram analisadas para identificar as bactérias intestinais.
Depois, foram feitos testes comportamentais com os roedores, que foram colocados para escolher entre explorar um ambiente seguro ou uma plataforma elevada. A partir da escolha dos animais os pesquisadores foram capazes de avaliar os efeitos psicológicos da alimentação. Por fim, também foram feitas análises do tecido cerebral e do material genético dos bichos.
O que os cientistas viram foi que no grupo que recebeu uma dieta alta em gordura houve uma redução significativa na diversidade de microrganismos intestinais, associada à uma perda da saúde. Além disso, houve um aumento de grupos específicos de bactérias associadas aos industrializados e à obesidade.
A microbiota intestinal vive diretamente a partir dos nutrientes que ingerimos pela nossa alimentação e, em resposta, geram moléculas que são absorvidas pelo nosso corpo e ajudam a modular as funções do organismo. "Se a gente desfavorece o crescimento de um determinado grupo de bactérias, potencialmente pode haver um desbalanço desse equilíbrio com consequências para a saúde", afirma Noronha.
Quanto à avaliação genética, o grupo da dieta mais gordurosa apresentou maior expressão dos genes associados à produção e sinalização da serotonina, neurotransmissor relacionado à regulação do humor, do sono e do apetite. No caso dos camundongos, a sua estimulação aconteceu em uma região do tronco cerebral associada ao estresse e à ansiedade.
Segundo Rodrigo Menezes, professor da Ufop e também autor do estudo, os resultados mostram que a produção de serotonina está diretamente ligada à alimentação. Agora os pesquisadores querem descobrir com detalhes como se dá essa relação.
Embora tenha sido feita em camundongos, Noronha diz haver uma similaridade muito grande entre a microbiota dos roedores e a nossa. A maior limitação, entretanto, é que o estudo foi conduzido apenas em machos, e o organismo das fêmeas pode responder de forma diferente. É o que estão apontando os resultados preliminares de uma nova rodada de experimentos que o grupo está conduzindo.
Manuela Dolinsky, professora de nutrição da Uff (Universidade Federal Fluminense), lembra que existem diferenças individuais na resposta à dieta rica em gordura não abordadas no estudo, mas que podem ser relevantes para os casos particulares.
Outros estudos mostram que uma dieta baixa em gordura e açúcar pode reduzir a depressão e a ansiedade. Uma pesquisa australiana associou uma dieta mediterrânea e a redução da gravidade de sintomas de estresse e ansiedade, embora essa diminuição não foi observada para depressão.
Para Renata Monteiro, nutricionista e professora da UnB (Universidade de Brasília), a relação entre a dieta e transtornos é mais complexa do que uma simples questão de causa e efeito. "Uma saúde mental prejudicada leva à escolha, muitas vezes, de um alimento menos saudável", diz.
Em outra pesquisa, conduzida em Criciúma (SC), gestantes foram entrevistadas e avaliadas em relação à sua alimentação e saúde mental, especialmente sintomas depressivos, estresse, tristeza e ansiedade.
O consumo de alimentos altamente processados na véspera da entrevista foi associado a um risco 1,4 vezes maior de apresentar sintomas de ansiedade e estresse, e 3,41 vezes maior de experimentar tristeza.
Para os autores, os resultados revelam a necessidade de promoção de ações conjuntas voltadas para a educação alimentar e saúde mental de gestantes.