É comum ver influenciadores fitness compartilhando dietas e receitas altamente ricas em proteína nas redes sociais. Os conteúdos costumam ser voltados para seguidores que praticam musculação ou outros tipos de atividade física, geralmente com o objetivo de ganhar massa muscular. Produtos como o whey protein, barrinhas e shakes proteicos, além de carnes magras e ovos, compõem a base do estilo de alimentação pregado por essas pessoas.
A ingestão exagerada de proteínas, entretanto, traz perigos à saúde e não contribui para o crescimento dos músculos, uma vez que o organismo elimina os excessos. É o que explica Maria Edna de Melo, médica assistente do Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
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"O organismo é inteligente: ele sabe a quantidade de proteína de que realmente necessita. Essa proteína começa a ser digerida no estômago e, em seguida, é usada para várias funções, que incluem a construção da massa muscular. A quantidade que sobra vai parar no fígado, onde será convertida na temida glicose (um carboidrato). A outra parte será eliminada na urina", diz a especialista.
Dessa forma, o fígado e os rins podem acabar ficando sobrecarregados, pois precisam trabalhar mais. Além disso, é possível que haja um acúmulo de gordura no corpo, sobretudo quando se trata da proteína animal. "As pessoas muitas vezes se esquecem de que as carnes e os ovos são fontes não apenas de proteína, mas também de gordura. Quando ingeridos de forma exagerada, esses alimentos podem levar a um aumento do colesterol. Isso eleva o risco de doenças cardiovasculares", alerta a nutricionista esportiva Vivian Ragasso.
Outra consequência possível é o desequilíbrio na microbiota intestinal. De acordo com a nutricionista Moara Neves, ingerir proteínas em excesso pode ocasionar o crescimento de bactérias tóxicas no intestino, ao passo que o número de bactérias benéficas sofre uma queda. "Um sintoma comum disso é o intestino solto", acrescenta.
Ainda segundo Moara, os pacientes que chegam até o consultório querendo incrementar o consumo do nutriente normalmente buscam o ganho de massa muscular e o emagrecimento. "Mas é importante ressaltar que a alimentação sozinha não promove o crescimento dos músculos. Precisamos do treino junto", lembra a nutricionista.
Quanta proteína devemos consumir?
A SBMEE (Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte) recomenda que o consumo diário de proteínas fique entre 0,8 e 1,2 grama por quilo de peso, no caso de indivíduos sedentários. Para aqueles que praticam exercícios de resistência (aeróbicos), como a corrida de longa distância, a necessidade diária gira em torno de 1,2 a 1,6 grama de proteína por quilo de peso.
Já os atletas de força, que fazem musculação, precisam consumir entre 1,4 e 1,8 grama por quilo. "Um bom valor de referência para essas pessoas é 1,7 grama por quilo", sugere a nutricionista esportiva Vivian Ragasso. "Ainda assim, é importante conversar com um nutricionista, que saberá calcular a dose ideal em cada situação".
Para além dos praticantes de atividades físicas, principalmente aqueles que buscam a hipertrofia, há outros casos em que se indica uma atenção especial às proteínas. É o exemplo dos idosos, que tendem a perder massa muscular com o avançar da idade e podem se beneficiar de uma dieta rica no nutriente. No entanto, mudanças na alimentação não devem ser feitas sem um acompanhamento médico e nutricional, pois existem contraindicações, como as doenças renais.
Outra diretriz relevante é a da American College of Sports Medicine. A entidade diz que indivíduos que praticam exercícios, em nível profissional ou não, devem consumir, no máximo, 2,0 gramas de proteína por quilo de peso diariamente.
"Esse dado veio para quebrar muitas noções equivocadas no mundo do esporte", comenta Ragasso. "Não importa se estamos falando de um atleta olímpico de alta performance ou de um frequentador comum de academia: o consumo acima desse valor não acarretará um aumento de massa magra."
Quando o whey protein é recomendado?
O whey protein é um suplemento feito a partir das proteínas do soro do leite (daí a origem do nome, em inglês). Ele é aconselhado para quem não consegue atingir a dose de proteínas recomendada diariamente apenas pela alimentação. Contudo, a suplementação pode não ser necessária quando se alcança essa dose naturalmente, seja por meio de alimentos de origem animal (como o frango, o peixe, a carne vermelha e os ovos) ou vegetal (como a ervilha, o feijão, a aveia e as amêndoas).
"O whey é um facilitador da dieta, capaz de trazer praticidade à rotina. Hoje, sabemos que ele não precisa ser usado só após o treino, mas também pode ser consumido em diferentes momentos do dia, como substituto de outras fontes de proteína", diz a nutricionista Moara. "Porém, devemos avaliar se é mesmo necessário incluí-lo na alimentação do paciente. Na maioria das vezes, o whey não é uma necessidade, apenas um facilitador."
Apesar da praticidade trazida pelo suplemento, a personal trainer Vivian Motta, 42, conta que prefere atingir sua meta proteica diária, estabelecida por uma nutricionista, por meio dos alimentos. "Tenho conseguido alcançar meu objetivo de hipertrofia muscular, com treinos de crossfit seis dias por semana, sem precisar da suplementação. Também não faço dietas restritivas: como carboidratos e proteínas em todas as refeições", comenta.
O suplemento é indicado, principalmente, para atletas de alta performance. No entanto, existem outros casos possíveis. "Por exemplo, pacientes que passaram por cirurgias que podem levar a um quadro de desnutrição, como a bariátrica", destaca a médica Maria Edna.
Além disso, é importante ter em mente que as doses recomendadas pelos fabricantes de whey protein não são regra. A nutricionista Ragasso explica que, geralmente, há um certo exagero nessas indicações. A melhor forma de saber a dose necessária de fato para cada pessoa é consultando um especialista.
O perigo das dietas da proteína
O influenciador fitness Gabriel Arones, 35, conta que consumia uma grande quantidade de proteína diariamente (chegava a ingerir 200 gramas), por acreditar que isso o ajudaria a perder peso e a definir os músculos. Ao mesmo tempo, quase eliminou por completo os carboidratos de sua dieta. "Emagreci muito, mas, por outro lado, ficava cansado o tempo inteiro e desenvolvi vários transtornos alimentares. Hoje, tenho uma alimentação bem mais flexível e saudável. Controlo, mas não me proíbo de comer nada", relata.
As dietas hiperproteicas, como aquela seguida anteriormente por Gabriel, trazem riscos à saúde. Um exemplo clássico são as dietas low-carb, que limitam os carboidratos e priorizam as proteínas. De acordo com as nutricionistas consultadas, não é possível ter um emagrecimento saudável dessa maneira, porque os carboidratos são a principal fonte energética do organismo. Na ausência deles, o corpo "quebra" as proteínas para obter energia. Em outras palavras, perde-se músculo. Com isso, o peso na balança diminui, mas de maneira forçada. "É um falso emagrecimento, nada recomendável", pontua a nutricionista Ragasso.