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Iguaria gourmet: como um camarão gigante (e azul) veio da Ásia até o Brasil

09 fev 2025 às 16:00

Um vídeo que circulou nas redes sociais mostra pescadores pegando um camarão-gigante-da-Malásia (Macrobrachium rosenbergii) no Pará. A espécie, que pode chegar até 32 cm de comprimento, não é natural do Brasil, mas sim originária da região asiática.

Apesar de exóticos, esses crustáceos são cultivados no país desde 1978 e vendidos como ingrediente gourmet a valores que ultrapassam R$ 100 por quilo.

Mas a espécie que veio ao Brasil para se ater ao prato têm registros de encontro na natureza desde 2003 - e isso pode causar desequilíbrios ambientais prejudicando a fauna local.

O UOL conversou com órgãos fiscalizadores, um criador e pesquisadores para entender como a espécie chegou ao Brasil.

A VINDA DO CAMARÃO GIGANTE PARA O BRASIL

No Brasil, a introdução do camarão-gigante-da-malásia ocorreu em 1978, por meio do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco. O órgão estudava desde 1975 a viabilidade do cultivo de espécies nativas.

A presença do camarão na natureza pode ser de escape, da vinda por navios e até na pena de aves. "Ele pode ter vindo na água de lastro de navios, na soltura de animais ornamentais ou de colecionadores, em aves migradoras que levam larvas nas penas, mas se há cultivo perto, o mais provável é o escape. Há inúmeras possibilidades, todas elas com descrições de ocorrência em alguma espécie no mundo", afirma Wagner Valenti, biólogo, professor da UNESP (Universidade Estadual Paulista), do Centro de Aquicultrua, que estuda a espécie há 39 anos.

Em 2006, a espécie escapou de um criadouro no Pará. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo publicada à época, o rompimento de um cativeiro em Bragança (224 km de Belém) permitiu que a espécie migrasse para a Baía de Marajó.

POSSÍVEIS IMPACTOS DO CAMARÃO-GIGANTE-DA-MALÁSIA NA NATUREZA

Encontro do camarão em 2003 em regiões amazônicas preocupa pesquisadores. Uma nota científica do Cepnor (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Norte - Cepnor / ICMBio) relata o encontro de fêmeas do camarão-gigante-da-malásia no estado do Pará.

"A captura de fêmeas ovígeras indica que está ocorrendo atividade reprodutiva em águas amazônicas, o que não deveria estar acontecendo, pois se trata de uma espécie exótica, podendo causar impacto ambiental, dividindo o mesmo espaço e alimentação com as espécies regionais. Sendo uma espécie carnívora e altamente voraz pode, em casos extremos, levar a um grande desequilíbrio no estoque das populações de camarões locais. A ocorrência de espécies exóticas é um fator preocupante, uma vez que outros autores citam a presença delas em ambientes naturais [...]", diz trecho da nota científica do CEPNOR, 2003.

Espécie encontrou local propício para reprodução no Pará. "O M. rosenbergii encontra em águas doces e estuarinas condições ideais para completar seu ciclo de vida. Na natureza, vive em rios, lagos e reservatórios conectados a águas salobras, onde ocorre o desenvolvimento larval. Durante a reprodução, as fêmeas migram para estuários para incubar os ovos, mas as pós-larvas e juvenis retornam à água doce devido à baixa tolerância à salinidade. A variação da salinidade é essencial para sua reprodução, pois a maioria das espécies do gênero depende desse gradiente para se desenvolver", explica Israel Cintra, um dos autores da nota técnica do Cepnor, doutor em engenharia de pesca (UFC) e professor da Universidade Federal Rural da Amazônia.

Pesquisadores divergem sobre o impacto ambiental. De acordo com Valenti, essa espécie é cultivada em 40 países sem impactos ambientais detectáveis. "Onívora, alimenta-se de detritos e pequenos invertebrados. Apenas machos dominantes crescem mais, com pinças azuis, enquanto os demais têm crescimento reduzido. As larvas precisam de água salobra para sobreviver e são predadas por pequenos peixes. Os adultos são caçados por peixes de fundo, como bagres e traíras", diz o biólogo.

Sem estudos que apontem impactos. "Apesar da espécie estar estabelecida na costa Norte, não temos nenhum estudo que prove o tamanho do impacto ambiental. No entanto, pelo porte, ocupação de território e necessidade de alimento, acreditamos fortemente que alguma espécie nativa está sendo prejudicada", afirma Cintra. Apesar do contraponto, Valenti coordenou a rede de pesquisa para o cultivo do camarão-da-amazônia, criada em 2000, cujo principal objetivo era gerar tecnologia para cultivar uma espécie nativa e substituir o cultivo do camarão-da-malásia.

CAMARÃO EXÓTICO PODE SER CULTIVADO, MAS PRECISA DE LICENÇA

Para cultivar a espécie, é necessário obter três autorizações. "A primeira é a licença de aquicultura, emitida pelo órgão gestor da pesca para regulamentar a atividade. A segunda é a licença ambiental, concedida pelo órgão competente conforme o porte do empreendimento. A terceira é a autorização do Ibama, exigida por se tratar de uma espécie exótica, garantindo que sua introdução no ambiente seja avaliada antes da liberação", explica Igor de Brito Silva, responsável pelo Núcleo de Fiscalização de Pesca do IBAMA
Cultivo sem licença pode gerar multa de até R$ 50 mil. O artigo 38 do Decreto nº 6.514/08 estabelece multas para quem importar, exportar ou introduzir espécies aquáticas sem autorização. "A multa é de R$ 3 mil a 50 mil, com acréscimo de R$ 20 por quilo", explica Rogério Rocco, Superintendente do IBAMA RJ e Professor de Direito Ambiental ao UOL.

Falta de licença pode levar à prisão. A Aquicultura depende de Licença Ambiental e Licença de Aquicultor emitida pelo MPA, ambas sujeitas a autuação e embargo quando ausentes ou em desacordo. "A Lei de Crimes Ambientais trata como crime a introdução de espécies exóticas no território nacional sem parecer técnico oficial favorável e sem licença da autoridade competente. O crime está sujeito a penas de detenção de três meses e um ano. E sua regulamentação estabelece sanções para essas atividades com quaisquer espécies aquáticas, tendo em vista que elas têm grande capacidade de alterar o equilíbrio das espécies nativas", afirma Rocco.

CAMARÃO CUSTA MAIS DE R$ 100 E TEM PRODUÇÃO DE CERCA DE 100 TONELADAS

Atualmente, a espécie é cultivada em pelo menos 17 estados brasileiros. De acordo com Valenti, que estuda o cultivo, a produção da espécie é em torno de 100 toneladas anuais em todo o país. "Os produtores investem em diversos nichos de cultivo", afirma.

O camarão-gigante-da-Malásia é gourmet e pode ser preparado frito. No prato, a espécie tem preparos variados, o restaurante e criadouro de Jorge Rosa, sócio e responsável técnico do Point do Camarão - Aquicultura Santa Helena, localizado no Rio de Janeiro, só trabalha com esse tipo há 40 anos. "O valor do quilo é R$ 130 com casca", diz ao UOL. O preparo frito custa R$ 94. "É uma carne macia", diz Rosa.

Tamanho comercial é de no máximo 60 gramas. Apesar de grande, Rosa explica que dificilmente alguém irá encontrar um camarão como o do vídeo que circulou nas redes sociais para venda. "Chegamos a ter uma aqui de 515 gramas, mas não é o tamanho comercial, não se deixa normalmente ficar nesse tamanho, porque senão ele custaria muito caro. Esse nosso foi uma exceção e virou um item de exposição por muito tempo", conta.

Cuidado no cultivo para evitar o escape. "A reprodução ocorre em água salgada, mas a espécie vive em água doce. Para isso, na larvicultura, misturamos água do mar com água doce, tomando todos os cuidados para evitar escapes. Utilizamos um sistema de comportas que libera o mínimo de água possível, mantendo os camarões sempre retidos. Como estamos na bacia do Rio São João, uma área de preservação ambiental no norte do Rio de Janeiro, qualquer acidente pode ter consequências graves", afirma Rosa.

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