Mário Bortolotto tem alma de rebelde. Nas dezenas de peças que escreveu, convoca à cena figuras à margem da sociedade, sempre prontas a escapar à regra. Filhos da burguesia inconformados, inaptos para a vida usual e banal a que estariam inevitavelmente destinados. É a esse mesmo sentimento de revolta - tão costumeiro em sua dramaturgia - que reencontramos em "À Meia-Noite Um Solo de Sax sobre a Minha Cabeça", montagem que estreia hoje no Espaço Parlapatões, em São Paulo.
Há uma diferença, contudo, que sobressai nessa peça produzida em 1983: seu sentido político. Uma política que não aparece sugerida, mas escancarada. A marcar todas as passagens e reviravoltas da obra. "É minha única peça que fala de política de maneira tão explícita. Acho que depois aprendi a tratar disso de outra maneira", observa o autor, que também se encarrega da direção.
Concebida nos estertores do regime militar, o texto atravessa as décadas de 1960 e 70 para pontuar os acontecimentos que marcaram o País no período. E, a conduzir a trama, coloca em relevo as trajetórias antagônicas de dois amigos.
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Billy e Jesse, interpretados pelos parlapatões Fabio Espósito e Henrique Stroeter, conhecem-se no berçário. As diferenças se estabelecem desde o início. Billy (Henrique Stroeter) é filho de prostituta e logo enfrenta dificuldades. Cresce sempre pronto a questionar o estabelecido. Torna-se ativista político. Jesse é seu oposto. Filho da classe média, é cioso das comodidades e da estabilidade.
Ao longo do espetáculo, a dupla encontra-se em 13 momentos - instantâneos das décadas que o texto atravessa. Nesses encontros, as conversas miram quase sempre as estripulias sexuais de ambos, mas deixam entrever as transformações na política e no comportamento do Brasil daqueles anos. Um tom que, conforme lembra Bortolotto, levou o texto a sofrer várias censuras à época de seu lançamento.
Não é a primeira vez que "À Meia-Noite Um Solo de Sax sobre a Minha Cabeça" é montado. O texto mereceu algumas versões, entre elas uma encenação conduzida por Cibele Forjaz que trazia Raul Cortez como protagonista, em 2004. Em todas elas, porém, fica evidente que o mais importante - para além das discussões ideológicas - é o sentido que as relações de amizade adquirem na ficção de Bortolotto. As diferenças entre Billy e Jesse só se aprofundam conforme os anos passam. Mas existe a promessa de que esse afeto perdure. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.