O ofício do ator é dar corpo a uma ideia. Um personagem, uma substância abstrata imaginada por alguém - o autor - e que no palco é personificada, ganha corpo, massa, peso, intensidade dramática. E durante a carreira, um ator pode encarnar centenas ou milhares desses espectros. Em parte, no palco, abdica de ser quem é. "Há muita coisa no mundo para a gente viver uma vida só", diz Lívia Deschermager, a justificar sua escolha pelo teatro. No domingo (11), Lívia participou do espetáculo As aventuras de uma viúva alucinada, encenado pela Companhia de Teatro PalavrAção, da UFPR, em frente ao Teatro Municipal de Antonina.
A grande questão, no entanto, talvez seja quais os limites que devem ser impostos à intromissão que a vida dos outros - os personagens - realiza no mundo do ator. "Ao contrário do que muitos dizem, o ator não pode se anular totalmente. Se não, vira psicodrama. Aquele ator que pensa que é de fato Hamlet, e que não está apenas interpretando Hamlet", explica Alaor Carvalho, ator e diretor da PalavrAção, responsável pelo espetáculo de domingo. Há 15 anos no meio teatral, Alaor formula possibilidades a respeito do que acontece com um ator que perde o controle diante do personagem, contando que há casos de atores que enlouqueceram por conta de papéis "pesados" demais. "Isso pode ter a ver com a formação do ator, o caminho que ele percorreu no seu processo de formação, que é onde você consegue estabelecer esses limites, barreiras e mecanismos de controle", explica.
Ou também pode ter a ver com uma questão estrutural, uma falha ou falta na formação da personalidade do ator e que gera nele uma tendência emocional. "Um ator muitas vezes interpreta personagens que o fazem lidar com seus medos, preconceitos, sua filosofia de vida. De alguma forma, isso sempre mexe com a estrutura toda", argumenta Alaor.
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Fora o aspecto da psique humana, o processo de formação do ator também envolve a preparação corporal e vocal, além da leitura dos teóricos do teatro. De qualquer forma, é um trabalho contínuo, que pode incorporar também outros ramos da arte. "Atores famosos até hoje têm aula de dança, expressão corporal, entre outros. Quanto mais você explora o corpo, mais repertório você tem", avalia Naiana Wohlke Cé, professora de dança moderna e que também atua no meio teatral. De acordo com Naiana, adquirir consciência corporal é entender o corpo como um todo, integrado ao espaço que o rodeia. "Um gesto não pode ser uma coisa isolada. Você pode mexer a mão no palco, mas nessa hora onde está o seu pé? E se o público resolver olhar para o pé? A plateia escolhe para onde ela quer olhar. O ator precisa perceber o que acontece no todo, mesmo se ele só estiver sentado em uma cadeira", explica.
Após desenvolver essas características, o ator precisa se adaptar às diferentes linguagens da dramaturgia. Teatro, cinema, televisão, e todas as ramificações que cada um deles abarca. "Eu acho o teatro mais difícil. A plateia está ali, ao vivo. Você não pode errar e, se errar, precisa convencer a o público de que aquilo não foi um erro. Na tevê e no cinema você pode parar, fazer de novo. Mesmo assim, acho que o bom ator precisa perambular pelas três linguagens", diz Alaor, que além do teatro também já trabalhou com cinema e televisão.