Três em cada dez alunos da rede estadual paulista dizem sofrer bullying dos colegas, e um em dez afirma praticar, mostra pesquisa realizada com os estudantes.
Os dados fazem parte de estudo realizado pelo Instituto Ayrton Senna em parceria com a Secretaria da Educação da gestão João Doria (PSDB). O trabalho levantou a percepção dos estudantes sobre uma série de competências socioemocionais, nome dado a características como empatia, foco, confiança, persistência, entre outras.
A pesquisa mostra que a faixa etária de 13 a 15 anos é a que se vê, de forma geral, menos desenvolvida nesses quesitos.
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O levantamento foi feito em novembro de 2019 com 110.198 alunos do 5º e do 9º ano do ensino fundamental e do 3º ano do médio de escolas estaduais regulares e do Centro Paula Souza.
O estudo seria repetido em 2020, mas foi adiado por causa da pandemia.
Dos entrevistados, 31.340 responderam as questões sobre bullying, e 29,7% relataram ter sofrido alguma forma da prática nos 30 dias anteriores.
Ao todo, 16,1% disseram ter sido intimidados ou humilhados pela aparência do corpo, e 14,5%, pela do rosto; 8,1%, por sua cor ou raça. Outros motivos citados foram religião (7,3%), orientação (6,5%) e região de origem (6,2%). Era possível selecionar mais de um.
Um em cada dez alunos relatou praticar os atos de bullying.
O Instituto Ayrton Senna também analisou características socioemocionais relacionadas ao problema.
A autoconfiança é tida como fator importante para apoiar quem é alvo de bullying. Ela é avaliada como pouco desenvolvida por 20,7% dos alunos do quinto ano que responderam ao questionário sobre bullying, 31,7% dos do nono e 27,5% do terceiro do ensino médio.
Trabalhar a tolerância à frustração, por sua vez, é considerado importante para lidar com o intimidador. Ela foi considerada pouco desenvolvida por 33,6% dos alunos do 5º ano, 34,6% dos do nono e 30,9% dos do terceiro do ensino médio.
As competências socioemocionais têm ganhado espaço significativo no debate educacional nos últimos anos.
Uma série de pesquisas tem demonstrado que elas influenciam o desempenho cognitivo e são determinantes em toda a trajetória escolar do aluno -além, obviamente, da vida em geral.
Em consonância com a literatura internacional, a pesquisa mostra que o início da adolescência marca, em regra, a percepção mais prejudicada dessas características.
O fato é atribuído a questões relacionadas à adolescência e ao contexto da vida desses jovens, como a preparação para o ensino médio.
Entre as competências que mais despencam na autoavaliação entre o quinto e o nono ano do ensino fundamental estão determinação, foco e persistência.
Elas em regra melhoram no ensino médio, mas em poucos casos voltam ao mesmo patamar anterior –a responsabilidade é uma exceção.
Os casos mais preocupantes são de competências que melhoram muito pouco entre o final do ensino fundamental e o ensino médio, como a persistência, ou que continuam a regredir, como a confiança no outro.
Para Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação, os dados mostram a urgência de intervenções nessa etapa da educação, que ela considera esquecida.
Em sua avaliação, esse pouco foco no 6º ao 9º ano se deve ao fato de ser uma etapa cuja gestão é compartilhada por estados e municípios, diferente das demais -com algumas exceções entre os estados, o ensino médio costuma ser gerido pelos estados e os anos iniciais do fundamental, pelas prefeituras.
Para Priscila, é preciso articular políticas para trabalhar de forma intencional as competências ao longo de toda a grade curricular -ou seja, não dar aula de persistência, por exemplo, mas trabalhar a persistência nas classes de matemática, português e outras.
Outro problema é o exemplo que vem de cima, diz Priscila. "Temos um governo que alimenta a intolerância e faz bullying. A escola tem que ser o contrário disso, um lugar plural e diverso."
A postura da gestão Bolsonaro não é o único problema, em sua visão, mas também os projetos. "O período do 6º ao 9º ano tem o mesmo problema do ensino médio: muitas disciplinas e pouco tempo de aula. O aluno precisa de tempo e espaço para desenvolver as competências socioemocionais, o que vai totalmente contra homeschooling e militarização das escolas."
Gerente executiva do Instituto Ayrton Senna, Gisele Alves projeta que a pandemia terá impacto negativo importante no desenvolvimento das competências socioeocionais.
"Ansiedade e depressão podem ajudar, infelizmente, a diminuir os níveis de confiança, tolerância ao estresse e frustração, e há ainda as competências de relacionamento pessoal das quais os estudantes estão sendo privados atualmente", diz.
Por outro lado, a escola é um lugar privilegiado para o desenvolvimento dessas habilidades, que podem ser recuperadas. "As competências socioemocionais não são algo estático, não nascem com as pessoas e ficam da mesma forma. Pelo contrário, podem ser desenvolvidas por estratégias na escola, quando se trabalha com intencionalidade para isso."
Esportes e artes são atividades consideradas importantes para trabalhar essas habilidades. O interesse artístico, porém, é uma das competências ligadas à Base Nacional Curricular consideradas menos desenvolvidas na rede paulista, segundo o estudo, ao lado de autoconfiança e tolerância à frustração e ao estresse.
O secretário da Educação, Rossieli Soares, disse que o pouco desenvolvimento do interesse artístico chamou a atenção, e que o programa Inova, que oferece uma série de disciplinas eletivas, já leva em conta o desenvolvimento das competências socioemocionais.
A expansão do programa de educação em tempo integral foi apontada como outra iniciativa importante nesse sentido. Elas tiveram resultados melhores que as demais no estudo. Soares afirma que também pretende incluir de alguma forma as competências socioemocionais nas avaliações dos alunos.
Outras medidas, como a contratação de psicólogos, serão anunciadas nesta quinta-feira (20).