Os festejos de Iemanjá, celebrados na maior parte do litoral brasileiro em 2 de fevereiro com a entrega de oferendas à orixá, estão ganhando uma dimensão mais ecológica.
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Como a festa cresceu em público e hoje atrai também pessoas que não são praticantes das religiões afro-brasileiras, aumentou também a preocupação com o lixo deixado nas praias após os rituais e que acaba indo parar no mar.
Lideranças religiosas do candomblé e da umbanda criaram um movimento para conscientizar os participantes das festas sobre questões ambientais, que inclui mutirões de limpeza de praias e pedidos para que as oferendas a Iemanjá sejam biodegradáveis, sem materiais plásticos, metal ou vidro.
Um dos incentivadores desse movimento é o antropólogo Rodney William, babalorixá do terreiro Ilê Obá Ketu Axé Omi Nla, de Mairiporã (SP). Como vive entre São Paulo e Salvador, William participa todos os anos da centenária festa de Iemanjá no Rio Vermelho e vem notando um aumento no fluxo de participantes.
Só em 2023, ano de retomada da celebração após a pandemia, a festa recebeu em torno de 400 mil visitantes, entre moradores da região metropolitana de Salvador e turistas.
Após uma pesquisa sobre os impactos ambientais dos resíduos deixados nas festas desenvolvida pelo babalorixá junto a biólogos e especialistas em sustentabilidade, foram elaboradas algumas orientações para criar um compromisso coletivo para tornar a festa mais sustentável.
Um dos pontos é a substituição de presentes tradicionalmente ofertados à orixá, como perfumes, sabonetes, pentes, espelhos e bonecas, por oferendas como flores, ervas aromáticas e alimentos, que podem ser absorvidos pela natureza, sem poluir o mar.
Mesmo os tradicionais balaios e barquinhos, recipientes em que os presentes são colocados e enviados ao mar, podem ser de materiais mais sustentáveis, como palha e fibras naturais.
"Essa consciência já começa a ser construída entre o povo de terreiro, pois são as autoridades religiosas que podem promover essa mudança, ressignificar os ritos e trazer a tradição para um contexto mais atual", diz William. "Todos estão mais sensíveis às questões ambientais, da mudança do clima e buscando alternativas."
De acordo com o babalorixá, essas mudanças já vêm sendo incorporadas nos terreiros das religiões de matriz africana há pelo menos uma década. Em Salvador, uma das vozes que promoveram essa discussão foi Maria Stella de Azevedo Santos, a ialorixá Mãe Stella de Oxóssi, morta em 2018.
Membro da Academia de Letras da Bahia e articulista na imprensa baiana, Mãe Stella era enfática na defesa de que o candomblé é uma religião viva e que deve estar atenta às questões contemporâneas.
Agora, com a maior adesão de pessoas aos festejos, à medida que eles ganham um caráter mais cultural e turístico, a ideia é influenciar para que as homenagens e oferendas não sejam afetados por uma lógica consumista.
"Muitas pessoas pensam que quanto mais ofertam, mais recebem, então há também uma preocupação com a quantidade enorme de oferendas", diz o babalorixá.
Outra recomendação dos religiosos é que as pessoas revertam os presentes em contribuições para as casas de axé que tenham trabalhos sociais nas periferias das cidades.
No ano passado, após a festa de Iemanjá em Salvador, foram recolhidas 81 toneladas de resíduos das faixas de areia e do circuito do Rio Vermelho, 15% a mais do que em 2020, último evento realizado antes da pandemia.
MUTIRÃO
No Rio de Janeiro, a praia do Arpoador, na zona sul, receberá nesta sexta-feira (2), pelo segundo ano, uma festa de Iemanjá que promete celebrar as raízes afro da cultura carioca e, ao mesmo tempo, chamar a atenção para o cuidado com o meio ambiente.
Serão 14 atrações artísticas -entre sambas de caboclo, afoxés e ogans do candomblé- e 120 líderes religiosos e filhos de santo, integrantes da rede de comunidades tradicionais de Madureira e também membros de quilombos do estado do Rio, para um ritual coletivo que terminará com uma ação de limpeza.
"A ideia do evento é trazer as casas centenárias de candomblé e umbanda de volta para o cenário da zona sul e convidar o público para um mutirão de limpeza das areias, calçadão e pedra do Arpoador", diz Marcos André Carvalho, diretor artístico e organizador do evento.
Umbandista, Carvalho relata que foi orientado por um guia espiritual a promover a festa. No ano passado, quando estreou no Arpoador, era esperado um público de mil pessoas. Porém, no fim da tarde, já eram mais de 10 mil pessoas aglomeradas na pedra, no calçadão e nas areias do Arpoador para homenagear Iemanjá.
Os pais e mães de santo que vão participar da festa recomendam aos devotos que todas as oferendas do ritual sejam biodegradáveis -preferencialmente flores e frutas.
"Pedimos ao público que não leve plástico, vidro ou madeira. É uma saudação à Rainha do Mar, à sua morada e às forças da natureza", diz o babalorixá Pai Dário, descendente da Casa Branca do Engenho Velho, uma das mais antigas casas de candomblé do Brasil.
TERREIRO SUSTENTÁVEL
Em Sepetiba, na zona oeste do Rio, a celebração de Iemanjá acontece na praia de mesmo nome há 30 anos. Nos últimos três anos, ganhou uma conotação mais sustentável a partir do trabalho do babalorixá Rodrigo Carneiro.
Biólogo e professor na rede estadual do Rio, ele criou o Instituto Terreiro Sustentável para dar continuidade ao trabalho iniciado durante sua pesquisa de dissertação de mestrado, que busca alternativas mais ecológicas para os presentes a Iemanjá.
Assim, Carneiro criou uma metodologia de educação ambiental e produção de oferendas com materiais biodegradáveis e passou a dar consultorias para outras casas de matriz africana.
Este ano, lançou uma campanha atrelada ao ODS 14 (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável sobre proteção dos mares) com a chancela da Década dos Oceanos da ONU, para promover a ideia dos presentes sustentáveis nas celebrações de 2 de fevereiro, que recebeu a adesão de religiosos da região oeste do Rio e de Niterói.
"As casas estão entendendo a importância do culto a Iemanjá para além da oferenda, que podemos ser palco das discussões sobre crise climática e cuidado com os oceanos", afirma.