No mês de novembro, milhares de pessoas deixam suas casas para prestar suas homenagens e honrar a memória dos que já partiram deste mundo. O Dia de Finados, no Brasil, é um feriado nacional, mas além disso, envolve rituais e crenças diferentes sobre a morte e a vida.
Originalmente, a data foi instituída no ano de 998 (século X) por abade Odilo, na França, com o objetivo de unificar as comemorações aos mortos já existentes em um só dia. A partir disso, a data foi se tornando mais presente até que, em 1915, o papa Bento XV permitiu que a primeira missa em homenagem aos mortos fosse celebrada.
Atualmente, o Dia de Finados é marcado por ser a data em que as pessoas relembram seus entes falecidos, vão até os cemitérios e levam flores, velas e orações. Mas nem todas as religiões e culturas encaram a data da mesma maneira.
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No México, por exemplo, o Dia dos Mortos é uma celebração de origem indígena comemorada no dia 2 de novembro em honra aos falecidos e quando as almas são autorizadas a visitar os parentes vivos.
O Portal Bonde apresenta a seguir as visões sobre a morte, o luto e o Dia de Finados de algumas religiões.
Budismo
Para o budismo, a morte é vista apenas como uma passagem obrigatória para quem vive, já que apesar do corpo não estar mais presente, a alma continua a renascer diversas vezes, como explica o monge Jyunsho Yoshikawa, do Templo Hompoji, que ainda acrescenta que “se a alma não morre, ou seja, tem vida infinita, então ela nunca nasceu, nunca teve um começo.”
O budismo possui ritos para todos os momentos especiais, desde o nascimento. Assim, em momentos de perda, como o falecimento, promovem o culto de velório, culto de funeral, culto de cremação e de sepultamento.
“Além disso, diariamente oferecemos orações póstumas aos nossos antepassados para demonstrar a gratidão pelo nosso próprio passado, como se todos os dias fossem o Dia de Finados”, conta.
No dia 2 de novembro, participam com o culto de finados, mas continuam acreditando que apenas um dia do ano para agradecer aos ancestrais é pouco. Para eles, o culto póstumo tem o objetivo de transferir as chamadas virtudes, que são as adquiridas pelas ações e poupadas para um momento ou vida posterior, através das orações, para as almas.
“Apesar de chamarmos de culto póstumo, estamos abrangendo todos os seres, eternamente vivos pela imortalidade da alma que encontra a oportunidade de renascer pela natureza búdica. Essa prática, no Budismo Primordial, tem o verdadeiro significado de vida e não de morte”, expõe.
Judaísmo
O judaísmo segue uma série de rituais envolvendo a morte de um ente querido, mas o Dia de Finados não é um deles. As homenagens são feitas no dia do falecimento, quando a família e amigos se reúnen para rezar o kadish, oração fúnebre recitada em memória de entes falecidos, além de homenagens no serviço religioso da sinagoga e a ação de se fazer doações em nome do falecido, chamada de tzedakah.
O rabino Charton Baggio diz que o judaísmo “não foge de encontros próximos com a morte, mas os enquadra ritualmente, com muita atenção dada ao tratamento dos mortos e com conforto aos enlutados".
Desde antes da morte até o momento de lidar com o luto, o judaísmo segue uma série de rituais voltados para o conforto do corpo e dos entes que perderam alguém querido, mas, como expõe o rabino, o período de luto é sucessivamente menos intenso, com muitos judeus e não judeus enxergando o processo judaico de luto como psicologicamente sábio.
Baggio explica que a morte não é o fim, e sim o princípio, já que o judaísmo considera este mundo um corredor, uma preparação para o Mundo Vindouro. "Os judeus veem a morte com tristeza, mas não com aflição, e encontram consolo no fato de que a morte não significa o fim de uma pessoa."
As tradições relacionadas à morte e ao luto servem para prestigiar a pessoa falecida e confortar os enlutados. "Quanto mais valorosa uma pessoa, maior a sua perda aos sobreviventes. Quanto mais havia significado para sua família, seus amigos e sua comunidade, mais profunda a dor e mais aguda a angústia."
Catolicismo
O pároco da Catedral Metropolitana de Londrina, padre Joel Ribeiro Medeiros, explica que para os católicos a morte significa a passagem, portanto uma pessoa tem três etapas: a vida que se inicia e é gerada no ventre da mãe, os anos em que o ser humano vive na Terra e a terceira etapa é a 'eternidade'. ''Nós rezamos todos os domingos como batizados a oração 'Creio na ressurreição', pois assim que uma pessoa encerra a vida neste mundo, ela entra na vida eterna, pois Jesus Cristo, após a sua morte, ressuscitou dos mortos. Então, para os católicos, a morte não é o fim, pois somos peregrinos para a Jerusalém celeste'', ressalta.
Segundo Medeiros, o luto após a morte de um ente querido é um período muito complicado e uma dor profunda na alma, mas com o passar do tempo a dor vai sendo amenizada pela fé e presença de Cristo, que fortalece e garante a vida eterna.
No Dia de Finados, os católicos costumam visitar os cemitérios, e acendem velas em lembrança de seus entes queridos. Sobre o acendimento das velas, o padre Joel, comenta que a vela acesa significa muito para os católicos, pois o fiel recebe a vela acesa no momento de seu batizado, já na Vigília Pascal é celebrado o dia da ressurreição de Cristo com o Círio Pascal. ''Acender a vela mostra que aquela pessoa vive na luz que é Jesus Cristo, e ele é a luz do mundo'', conclui.
Evangelicalismo
Se comparado a outras religiões ou ramos do próprio cristianismo, o Dia de Finados não exerce forte apelo para os evangélicos, pois segundo o Presidente do Conselho de Pastores de Londrina, Vanderlei Frari, a igreja evangélica acredita que após a morte o destino da alma já está determinada, conforme a fé processada em vida.
''Os evangélicos não oram pelas almas dos falecidos, portanto, uma vez que alguém morre, não há ação humana que possa mudar seu destino eterno. Isso não os impede de tomar o Dia de Finados como um momento de reflexão sobre a própria finitude ou recordação daqueles entes, amigos e irmãos queridos que partiram'', ressalta.
Para grande parte dos evangélicos, a morte é vista como uma transição do estado terreno para o espiritual e eterno. ''Este entendimento está baseado na crença de que a vida continua após a morte e a existência terrena é apenas uma etapa de algo maior, conforme ensinado em passagens bíblicas como João 11:25-26 e 1 Coríntios 15:51-57. Assim, o conceito de morte tem uma conotação de “passagem” e aqueles que colocam sua fé em Jesus Cristo têm a esperança de uma vida eterna.''
O luto, por sua vez, é um processo doloroso experimentado por todos os viventes. Os evangélicos lidam com ele buscando consolo e força na fé, através das orações, das ações de graças e da meditação bíblica. ''Além disso, as comunidades às quais pertencem oferecem suportes emocional e espiritual, tais como, cultos fúnebres (imediatos ao sepultamento), aconselhamento pastoral, visitas de pastores ou irmãos e encaminhamentos de casos agravados por estados depressivos a profissionais de saúde'', pontua Frari.
Conforme o presidente, os evangélicos também podem visitar os cemitérios no Dia de Finados e em qualquer dia e momento no ano, com o propósito de honrar a memória dos entes queridos e o legado que eles deixaram. Porém, tal prática, quando ocorre, não tem um caráter teológico (promoção da alma desencarnada). A função deste ato é mais psicológica (auxílio na assimilação da perda).
Islamismo
De acordo com presidente da Sociedade Beneficente Muçulmana de Londrina e Norte do Paraná, Nasser Nasser, no Islã, todos os dias é dia de recordar o falecido, pois quanto mais visitas você faz aos cemitérios, e ao falecido, mais bênçãos o visitante e o falecido irão receber, não tendo assim uma data específica do Dia de Finados. ''Nós temos, no Islã, dois principais feriados islâmicos: o desjejum do Ramadã e o feriado do sacrifício. É comum nestes dias, as visitações nos cemitérios, mas não é obrigatório'', diz.
Nasser explica ainda que o falecimento de uma pessoa é uma ocasião bastante triste e lamentável, mas para o Islã a morte não é vista como algo trágico, mas sim como algo bom. ''Para a pessoa que praticou boas ações e seguiu os mandamentos, após a sua morte, ela saiu de uma vida mundana para outra etapa de sua vida, uma vida espiritual, o paraíso, chamado de vida eterna.''
Umbanda
O pai de santo Luiz Fernando Souto de Camargo, do Centro de Umbanda Congá da Tia Maria, comenta que cada terreiro de Umbanda tem uma forma específica para celebrar o Dia de Finados, portanto, para os participantes do terreiro da Tia Maria, no dia 2 de novembro, seus parentes falecidos os visitam. ''Do plano espiritual, é o dia em que eles têm o acesso, se abre um portal e eles vêm nos visitar, é isso que acreditamos no Dia de Finados'', diz.
Segundo Camargo, em relação à morte e ao luto, quando há a perda de um ente querido ou um conhecido, para os membros da religião, é um momento bastante triste, porém assim como os espíritas, a Umbanda acredita na vida após a morte, pois o falecido terá sua missão a cumprir dentro do que praticou durante a vida.
Já sobre os costumes de visitar os cemitérios levando flores e velas, os membros da Umbanda também praticam, assim como os católicos.
Espiritismo
O ex-presidente da Casa Fabiano de Cristo, Rui Carneiro, detalha que no espiritismo, o Dia de Finados é um dia de festa, pois é um dia em que as pessoas se lembram dos entes queridos e conversam com os que já se foram. ''Portanto, todos os dias podemos estar em contato com as pessoas queridas que já se foram. Elas não morreram, elas continuam como espírito, como alma, vivas no mundo espiritual, com a possibilidade de se comunicarem conosco, isso se não nos esquecermos deles. No dia de Finados, eles ficam felizes, pois lembramos deles, e os entes queridos se aproximam dos que ficaram, dos que evocam e conversam com eles'', pontua.
Sobre a comunicação com os espíritos, Carneiro diz ser perfeitamente possível que as pessoas em Terra se comuniquem com os espíritos, seja através de um médium ou através da intuição, através da possibilidade que existe dos nossos pensamentos se conectarem com os pensamentos de quem já faleceu.
Segundo Rui, no espiritismo, a morte é vista apenas com a morte do corpo, o espírito sobrevive e continua vivendo no mundo espiritual. ''Na realidade, a alma tem uma vida só, ela passa um tempo no corpo físico e ao morrer, o espírito se desliga do corpo físico e vai para o mundo espiritual, onde continua seu trabalho e desenvolvimento espiritual.''
Em relação à visitação aos cemitérios, os espiritas poderão visitar os cemitérios no Dia de Finados, porém não há muito sentido. ''Ali ele sabe que o espírito não está ali, ali estão apenas os restos mortais do corpo. Porque nós somos o espírito, não somos o corpo, e após morto o espírito se desprende e vai para o mundo espiritual. Mas se o espirita for ao cemitério, ele terá sintonização com quem já se foi'', ressalta.
*Sob supervisão de Fernanda Circhia