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Quiet ambition

Desistir do trabalho dos sonhos pode ser recomeço da rota profissional

Gabriela Caseff - Folhapress
25 jan 2024 às 11:30
- iStock
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Foi entre lágrimas que Bruno largou o emprego dos sonhos, depois de deslizar a tela do computador para baixo para que a câmera e os colegas de equipe não flagrassem seus olhos marejados. O publicitário tomou a decisão em 2021, em consenso com a esposa, então grávida.


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"Desistir foi difícil, teve toda a carga emocional da pandemia, ninguém aguentava mais se ver entre telas, estava esgotado", diz Bruno Tavares, 40. "Eu tinha a pretensão de morar no interior e cuidar do meu filho mais do que os cinco dias da licença-paternidade."

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Foram quatro anos trabalhando na área de comunicação da associação Doutores da Alegria –um sonho para o menino de Belo Horizonte que tinha assistido ao documentário dos palhaços que levam arte para crianças hospitalizadas.

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Ao migrar para o terceiro setor, Bruno deixou para trás uma vida mais luxuosa em agências de publicidade, onde já era diretor de arte. Um voluntariado e o abraço de uma criança em um projeto social o despertaram para o trabalho com impacto positivo.


"Aquele abraço me deixou completamente desarmado e caiu uma ficha", diz ele. "Eu passava tempo demais pensando em soluções mirabolantes para vender carro."

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Bruno mudou a rota profissional aos 30 anos. Perto dos 40, sob influência da pandemia e de um câncer enfrentado em 2018, se mudou para Americana (SP), onde vive com a esposa e o filho Caetano, 2.


"Pedi demissão e foi como pular do precipício, só que descobri um paraquedas no meio do salto", diz ele, hoje coordenador de comunicação no Pró-Saber SP, associação que atua na comunidade de Paraisópolis, onde tem uma jornada de trabalho que se adequa às suas necessidades.

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O movimento de desistir de uma carreira ascendente ou de posições de liderança em nome da saúde física ou mental tem nome em inglês: quiet ambition. "São pessoas com uma situação econômica mais estável que decidem aquietar suas ambições e, em último caso, até negar seus sonhos", afirma Eduardo Migliano, CEO da 99jobs.


Se, há algum tempo, ser presidente de uma grande empresa era o sonho de muitos jovens recém-empregados, hoje esse discurso não é tão potente. Ter jornadas flexíveis e trabalho híbrido ganharam espaço no pós-pandemia.

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"O filho vê o pai endividado, estressado, chegando tarde em casa, ele não quer isso para ele. E aí começa a ter menos ambição do que a geração anterior a ele", diz Migliano.


Na pesquisa Mulheres em Local de Trabalho, conduzida pela McKinsey & Company em parceria com LeanIn.Org, 38% das mães com filhos pequenos afirmaram que, sem flexibilidade no local de trabalho, teriam de abandonar a empresa ou reduzir o horário de trabalho. O estudo foi feito com 276 organizações que empregam mais de dez milhões de pessoas.

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Pedidos de demissão voluntária tiveram um salto no ano passado. Um levantamento da LCA Consultores, a partir de dados do Ministério do Trabalho e Emprego, mostrou que o Brasil teve mais de 7 milhões de pedidos deste tipo entre setembro de 2022 e 2023.


Crescimento notado desde 2021, quando o mercado deu sinais de recuperação após a crise sanitária. Quem mais se desligou foram pessoas mais escolarizadas e jovens.

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Migliano reforça que há uma parcela considerável da população brasileira que historicamente não teve acesso a empregabilidade e privilégios, em busca de um emprego dos sonhos. E que isso vem se materializando hoje por meio de ações afirmativas em universidades e empresas.


"Esses profissionais estão em busca de um espaço psicologicamente seguro para contribuir e prosperar. Emprego dos sonhos também está ligado a dinheiro, mas o que te faz realizado mesmo é o quanto você é escutado e útil", afirma.


A paulistana Renata Hilario, 40, tem um trabalho que considera dos sonhos: é co-criadora e produtora executiva do podcast Mano a Mano, estrelado por Mano Brown. Só que o podcast tem sua intermitência e não garante renda para que ela mantenha sua família.


Renata também trabalha como executiva de marketing na ONU, depois de ter integrado a primeira leva de programas de inclusão racial em empresas como a Meta (ex-Facebook) e ter passado por corporações que, segundo ela, não tinham preparo para lidar com pessoas pretas.


"Estava no começo da pauta de diversidade e inclusão, e ninguém sabia fazer a gestão desses talentos", diz ela, que em determinado momento teve uma crise de burnout.


Desistir do trabalho em uma grande empresa, na época em uma posição desejada por executivos, passou por sua cabeça quando, no final de 2022, sofreu um processo de demissão traumático.


Logo depois disso, Renata desistiu de concorrer a uma vaga em um banco, por mais que esse fosse um emprego dos sonhos para a menina criada no extremo leste de São Paulo e que ouvia da avó que não dava para perder um trabalho com carteira assinada.


"A gente sabe como é o período de escassez, fiquei insegura, era virada de ano e uma boa vaga, mas quando pensava em trabalhar me dava crise de ansiedade", afirma. Sete meses depois, Renata recebeu a notícia de que tinha passado em um processo seletivo na ONU.


Para Migliano, da 99jobs, o mercado de trabalho ainda vem aprendendo a reter talentos –não só aqueles que ingressam via programas de diversidade, mas também os de gerações mais novas.


"O profissional que não tem um espaço psicologicamente seguro para fazer o que precisa ser feito desiste. Ele percebe que não está contribuindo, está só obedecendo."


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