A pandemia obrigou os mais diversos setores a acelerarem suas transições digitais. Das instituições de ensino à medicina, a adaptação gerou crescimento acelerado nos setores de tecnologia e carreiras na área de computação em nuvem e cibersegurança ganharam ainda mais espaço no mercado.
O aumento de oportunidades, porém, não significa paridade de gênero na profissão. Dados do Linkedin mostram que o setor concentra somente 20% de mulheres contratadas -e que algumas carreiras, como a de desenvolvedor web, têm mais de 90% dos cargos ocupados por homens.
Segundo dados da consultoria Robert Half, de 2019 para 2020 houve aumento de 20% nas contratações de mulheres na área de tecnologia da informação. Em 2019, das vagas de TI gerenciadas pela consultoria, apenas 18% foram preenchidas por mulheres, percentual que ultrapassou a marca dos 25% em 2020.
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Para mudar esse cenário, empresas como Google, Itaú, IBM e Oracle apostam em programas de formação e contratação acelerada voltados para mulheres. "A diversidade e a inclusão não são estratégias isoladas, são estratégias de negócios", afirma a líder de diversidade e inclusão da IBM Brasil, Fabiana Cardoso.
Ana Drumond, diretora de tecnologia no Itaú, acredita que a presença de mulheres no desenvolvimento de tecnologias afeta positivamente a qualidade e cara do produto final. "Fica mais próximo das necessidades do cliente", diz.
Para celebrar o Dia da Mulher, a empresa organizou nos dias 9, 11 e 16 de março um evento para profissionais da área que conta com palestras e aulas online com executivos da organização, além de um "speed hiring" (processo seletivo relâmpago).
Além dos processos seletivos direcionados, empresas apostam também na contratação e promoção intencional de mulheres e outras minorias. "Ao pôr mulheres em cargos de liderança estamos mostrando que outras mulheres podem ocupar aquele espaço também", diz Cardoso.
Ela afirma que nos últimos processos seletivos de entrada na companhia, entre eles o de jovem aprendiz, estágio e trainee, o percentual de mulheres contratadas já ultrapassou 50%.
Despertar o interesse de jovens mulheres para a área é um ponto crucial para garantir a presença do grupo no setor. Cintia Barcelos, chefe de tecnologia e engenheira notável na IBM, conta que o gosto pela matemática veio de casa. Filha de um professor de física da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), sempre teve incentivo familiar para explorar a área.
"Nunca tive nenhuma limitação da minha família nem do meu marido. Sempre me apoiaram. Mas eu sou uma pessoa de muita sorte. Mesmo mulheres com uma trajetória parecida não viveram essa mesma história", conta.
Ela afirma que é importante mostrar, desde a infância, que matemática não é um campo exclusivo para homens. "Vejo muitas mães que, diante de dificuldades das filhas com matemática, imediatamente sugerem que perguntem ao pai. Mas, ao fazer isso, elas estão dizendo, de forma inconsciente, que matemática é o homem que sabe", diz.
Cintia cursou engenharia eletrônica na UFRJ com apenas duas mulheres em sua sala. "Quando mulheres veem um ambiente cheio de homens, pode ser um fator para que elas não se identifiquem com a área e não se sintam no lugar certo."
Para contornar essa lacuna de gênero na área, outra ação corporativa é financiar programas de ONGs que incentivam jovens mulheres a adentrar o universo da tecnologia.
É o caso da parceria da Oracle com a ONG californiana Technovation Girls, que aposta em programas de formação completos para meninas de 10 a 18 anos a partir do desenvolvimento de produtos idealizados pelas participantes.
"A tecnologia é apenas o meio. O que está por trás é o que tem mais valor", afirma Vanessa Scaburri, diretora de cidadania corporativa para a Oracle na América Latina.
O programa integra habilidades práticas de desenvolvimento com habilidades comportamentais, como trabalho em equipe e gerenciamento de tempo.
"Depois de participar de programas assim, o percentual de interessadas cresce. O que faz essa diferença é o acesso e a autoconfiança. O empoderamento delas é uma consequência do acesso ao repertório de tecnologia."
Mas os desafios enfrentados por mulheres no setor ainda persistem. "Ninguém nunca falou que eu não poderia ser engenheira por ser uma profissão de meninos. Mas já enfrentei alguns problemas para exercê-la", diz Tuany Tabosa, 31, analista de projetos no NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR).
Ela conta que estagiou preparando equipamentos para uso em palestras e, em um desses eventos, sofreu perseguições por um dos frequentadores. "Eu comentei com o pessoal e achavam que era brincadeira, que ele estava interessado nas palestras. Mas esse cara me seguia e me esperava na porta do banheiro", conta. "Esse tipo de problema é algo que acontece."