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Empreendedorismo

'A mulher se capacita mais, mas se sente menos confiante', diz empreendedora

Folhapress
20 nov 2020 às 08:47
- iStock
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O Brasil tem mais de 26 milhões de empreendedoras, segundo o levantamento Global Entrepreneurship Monitor, de 2019, que no país é coordenado pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade e pelo Sebrae.


Uma delas é a alagoana Ana Fontes, eleita uma das mulheres mais poderosas do mundo pela revista Forbes Brasil no ano passado. Fundadora da RME (Rede Mulher Empreendedora), Ana usa o poder que conquistou ao longo de seus 54 anos de idade e 13 de empreendedorismo social para ajudar outras brasileiras a dar vida a novos negócios.

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Os programas da entidade apoiam e capacitam mulheres, parte delas em situação de vulnerabilidade. Uma vez ao ano, a rede ainda promove um grande evento sobre o tema, o Fórum Mulheres Empreendedoras.

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A edição deste ano, realizada nos dias 5 e 6 de novembro, foi totalmente virtual e contou com mais de 40 mil participantes.

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Nesta quinta (19), Dia do Empreendedorismo Feminino, Ana Fontes fala sobre os talentos que as mulheres têm ao empreender e também sobre os preconceitos que ainda sofrem nesse meio.


"Mais de 95% dos investimentos vão para negócios liderados por homens. Quando as mulheres são questionadas por bancas de investidores, as perguntas são pessoais. Para começar, querem saber com quem elas deixaram os filhos para estar ali", afirma.

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Pergunta - O que mais leva as mulheres a empreender: necessidade ou oportunidade?


Ana Fontes - Acho simplista demais encarar como necessidade ou oportunidade apenas, apesar de realmente existir essa divisão técnica usada pelo Sebrae e outras instituições. Uma pessoa pode começar a empreender porque precisa botar comida dentro de casa e no meio do caminho perceber uma oportunidade. E pode acontecer o contrário também: ela empreende por oportunidade, mas aí perde o emprego que ainda mantinha e então o negócio vira necessidade.

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O ambiente corporativo joga as mulheres no empreendedorismo porque não as acolhe, não as respeita, comete assédio. Aí elas empreendem porque precisam gerar rendar, mas aquilo também é um sonho.
As escolhas que a mulher faz têm a ver com a própria identidade, nunca são pragmáticas, como acontece com os homens. Ela encontra ali algo que a representa. Ela não é só mãe, esposa e dona de casa: ela é empreendedora, dona de um negócio. Tem muito de sonho, propósito e resiliência nessa escolha.


O Instituto RME concluiu há poucas semanas uma pesquisa que mostra que 88% das mulheres querem continuar com seus negócios, apesar das dificuldades trazidas pela pandemia. Entre os homens, esse percentual ficou em 70%. E mais: 76% das empreendedoras afirmam que seus negócios são muito importantes para elas, contra 61% dos homens.

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O que as mulheres devem considerar ao escolher empreender?


AF - Elas sempre empreendem em seu território de conforto, dentro daquilo que dominam e gostam de fazer, principalmente no setor de serviços. Por isso são tão recorrentes os casos de mulheres que, quando engravidam, abrem negócios ligados à maternidade: elas estão totalmente envolvidas no tema, querem fazer algo em que acreditam.Isso tudo é sensacional, mas também é preciso ganhar dinheiro. É nisso que a gente vem insistindo. Tem que ser algo de que a mulher gosta, em que vê propósito, e algo que o mercado quer comprar. Se não for assim, a chance de frustração é enorme. Eu vejo isso há 13 anos.

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Como descobrir uma oportunidade de negócio quando os segmentos mais escolhidos pelas mulheres estão já saturados?


AF - Se ela quer empreender dentro da moda, precisa pensar: "O que não tem ninguém fazendo na moda?". Para encontrar a resposta, ela precisa de três coisas. A primeira é ter repertório, buscar conteúdos de qualidade, como os que oferecemos em nossa plataforma. As informações servem para ajudá-la a entender o que está acontecendo com o segmento.

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Em segundo lugar, ela tem de estar atenta aos problemas que existem na sociedade, porque onde tem problema para resolver, tem negócio. Isso ela pode e deve fazer em todos os ambientes que frequenta: na família, entre amigos, no trabalho. Eu costumo dizer que, se eu pudesse, abriria uns dez negócios diariamente!


A terceira característica importante é olhar para a frente. A gente costuma olhar muito para o passado e só vê o que já está sendo feito. "Ah, está todo mundo fazendo paleta mexicana? Bolo? Então eu vou fazer também." Não, o que todo mundo está fazendo é o que já foi, já passou. Tem que focar no que vai ser depois e isso não é futurologia. Agora, por exemplo, tem que pensar como o mundo será quando houver a vacina para o coronavírus. Como as pessoas vão se portar? Elas terão os mesmos hábitos de consumo que tinha antes? Vão fazer as mesmas coisas ou há mudanças aí?


A pesquisa "Empreendedoras e seus Negócios 2020: Recorte dos Impactos da Pandemia", que você citou antes, revela que a quantidade de empreendedores que não tiveram redução em seu faturamento -ou até apresentaram aumento- é maior entre as mulheres (36%) do que entre os homens (26%). Por outro lado, embora os dois grupos apontem as mesmas dificuldades durante a pandemia, os homens se autoavaliam melhor a respeito de sua capacidade de planejamento estratégico (53% dos homens se deram nota igual ou acima de 8, contra 37% das mulheres) e da qualidade de sua gestão financeira (69% contra 54%). Por que isso acontece?


AF - Existe uma construção social que faz os meninos crescerem acreditando que são inteligentes, fortes, que podem fazer tudo e que devem proteger os mais fracos, entre eles, as mulheres. As meninas têm que ser fofinhas, bonitas, legais e estão no mundo para servir quem precisa. Esses pensamentos sociais são muito fortes e se refletem em todos os aspectos da vida, minando a autoconfiança das mulheres.


Um homem que preenche 50% das capacitações pedidas para uma vaga de emprego se candidata ao cargo. Mas a mulher que tem 80% não se candidata, porque tem medo de não atender as expectativas. Mas olha que coisa: a mulher se capacita mais, faz mais cursos que os homens, busca a transformação digital e ainda assim se sente pouco autoconfiante.


Isso acontece em todas as camadas econômicas. Eu conheço mulheres que faturam R$ 10 milhões ao ano com seus negócios e, quando você pergunta sobre questões financeiras, ela diz que precisa consultar o sócio, que muitas vezes é o marido ou outro homem.


Por isso os nossos programas [da RME] para empreendedoras começam pela recuperação da autoconfiança da mulher. A gente mostra que a mulher exerce uma liderança mais participativa; que ela pode e deve aprender a negociar, a se posicionar, tanto no aspecto pessoal quanto no ambiente de trabalho ou de negócio.


Além da autoconfiança, em que outros aspectos as mulheres empreendedoras precisam melhorar?


AF - Nós trabalhamos muito a educação financeira feminina. Insistimos que o dinheiro é território delas, sim. As mulheres são mais cautelosas que os homens no aspecto financeiro. Investem em coisas mais seguras e pegam menos empréstimos -57% delas nunca pediram crédito, ao contrário de 44% dos homens [segundo a mesma pesquisa]. Isso é bom só até determinado ponto, porque se o empréstimo é necessário para crescer e elas não pedem porque têm medo, vão ficar sempre no mesmo lugar. É preciso retrabalhar esse medo.


As mulheres precisam fazer sua gestão financeira pessoal e profissional, porque saber lidar com dinheiro é fundamental. Há casos de empreendedoras que perderam tudo porque deixavam a gestão financeira inteiramente por conta dos maridos e não acompanhavam o que eles estavam fazendo.


Como os preconceitos contra as mulheres se manifestam no empreendedorismo?


AF - Eles são diferentes daqueles que existem no universo corporativo, mas a dificuldade para elas é maior, sim. E, mais uma vez, são pensamentos da sociedade. No ambiente de startups, por exemplo, quase não há mulheres. Entre os 12 unicórnios brasileiros, só um tem uma mulher entre seus cofundadores, o Nubank.


Mais de 95% dos investimentos vão para negócios liderados por homens. Quando as mulheres são questionadas por bancas de investidores, as perguntas são pessoais. Para começar, querem saber com quem elas deixaram os filhos para estar ali. Se elas são jovens, dão um jeito de saber se ela está perto de se casar, se quer ter filhos. Nunca perguntam isso para homens. É muito desconcertante para as mulheres. O que os investidores têm que saber é se elas entendem do mercado, se estão fazendo um pitch [apresentação sobre o negócio] adequado.


A consciência do preconceito aumentou, mas isso não significa que as ações mudaram em igual proporção. Temos muito para melhorar. As mulheres têm que poder receber investimentos, têm que ter condições para criar negócios de alto impacto em um ecossistema inclusivo.


Há lugares específicos nos quais as mulheres empreendedoras encontram investimento para seus negócios?


AF - Elas encontram no MIA, que é o grupo Mulheres Investidoras Anjo, que eu, a Maria Rita Spina Bueno [diretora-executiva da Anjos do Brasil] e a Camila Farani [investidora participante do reality show de empreendedorismo Shark Tank Brasil] fundamos em 2014. Esse é um movimento para atrair investidoras. Se houver mais mulheres investidoras, elas certamente investirão em mais negócios liderados por outras mulheres.


Depois do MIA surgiram outras iniciativas, como a da Sônia Hess, do Grupo Mulheres do Brasil, que idealizou o Fundo Dona da Mim, que fornece microcrédito para mulheres que são microempreendedoras individuais (MEI). Nós também apoiamos esse programa. E tem a Estímulo 2020, que foi criada durante a pandemia e não é exclusiva para mulheres, mas, até porque eu estou lá, boa parte do crédito que a associação consegue vai para elas.


Ao empreenderem, os que as mulheres agregam de mais importante?


AF - O empreendedorismo feminino tem alto potencial transformador, porque as mulheres são mais humanas em sua liderança e promovem o crescimento de outras pessoas.

Eu adoraria ver cada vez mais mulheres empreendendo. Mas também gostaria que o governo trabalhasse políticas públicas para melhorar as condições dessas mulheres. Gostaria que o governo pensasse no impacto que os negócios comandados por elas pode ter sobre a sociedade. Infelizmente nós vivemos tempos sombrios, em que a palavra gênero não pode ser reverberada e que não se fala em inclusão. Mas temos de continuar fazendo nosso papel, que é o de diminuir obstáculos para as mulheres empreenderem, porque a autonomia econômica é a chave para a autonomia pessoal. Dona do próprio dinheiro, a mulher tem mais chances, inclusive, de sair de um ciclo de violência.


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