Em 2000, o escritor Michael Chabon chacoalhou o universo pop ao contar a história de dois jovens primos judeus se embrenhando no difícil, indecifrável, ainda inóspito e pouco rentável universo dos criadores de histórias em quadrinhos na chamada Era de Ouro, a partir dos anos 30, nos Estados Unidos. Seu terceiro livro, ''As Aventuras de Kavalier & Clay'', venceu o Pulitzer de Ficção em 2001 e deixou todo mundo com vontade de saber mais sobre o Escapista, personagem criado pelo ilustrador Joe Kavalier e o roteirista Sam Klayman. O resultado foi a série ''As Incríveis Aventuras do Escapista'', que reúne diversos autores famosos, de Howard Chaykin a Will Eisner, agora disponível no Brasil.
Bem, antes de mais nada, ''As Aventuras de Kavalier & Clay'' é uma ficção baseada em uma pesquisa minuciosa de Chabon sobre o período conturbado da Era de Ouro. No livro, Chabon usa de seu talento com as palavras para relatar como a dupla buscava o sucesso nesse mercado. O ''espelho'' utilizado por Chabon foi a experiência de Jerry Siegel e Joe Shuster, criadores do Superman. É bom lembrar que as famílias de ambos lutaram e lutam até hoje pelos direitos do Homem de Aço na Justiça.
Durante suas pesquisas para a concepção do Escapista, Chabon também se deparou com um sujeito bastante incomum, o artista Jim Steranko. O excêntrico quadrinhista, um excelente artista gráfico que assinou bela fase conceitual de Nick Fury nos anos 70, tinha a fama de ser escapista e foi inspiração para Jack Kirby para o mestre da fuga Senhor Milagre, da DC Comics.
O livro e tudo o que Chabon conseguiu reunir ao redor dele, como a popularização dos quadrinhos na mesma época em que o cinema fazia o mesmo, a partir dos anos 2000, foi inspirador para diversos criadores e à própria indústria. Assim nasceu o projeto que hoje está nas prateleiras brasileiras.
''As Incríveis Aventuras do Escapista'' narra as aventuras do fictício ''maior super-herói esquecido da Era de Ouro'' e se apropria das maiores qualidades dessa época - aventura, ação, comédia e drama sem o hiper-realismo atual, puro escapismo sem culpa - para contar histórias pelas mãos de artistas consagrados na arte sequencial.
Entre os nomes da edição estão ''apenas'' Will Eisner, em seu último suspiro; Howard Chaykin, Gene Colan, Brian K. Vaugh, Harvey Pekar, entre outros, que escreveram e escrevem a histórias das histórias em quadrinhos dos anos 50 até os dias de hoje. O resultado são aquelas histórias de heróis que todas as crianças adoram ler, com roupagem atual e charme retrô.
THE BOYS
Há anos todos os detratores dos super-heróis discorrem sobre a mesma teoria: se você ganhasse poderes realmente faria o bem? E, mesmo se fizesse, o que iria realizar com tais dons depois de se entediar? Essa pergunta foi levada ao extremo por Garth Ennis e Darick Robertson em "The Boys", série que coloca os poderosos seres vestidos de colantes na berlinda.
Em ''The Boys'', o protagonista é Hughie ''Mijão'', personagem claramente inspirado no visual do cineasta Simon Pegg (''Shaun of the Dead'' e ''Hot Fuzz''). O rapaz é recrutado para entrar para uma equipe da CIA especializada em tratar de super-heróis em um mundo em que os mesmos caras que podem te salvar também podem destruir a casa de sua avó durante uma briga com os que seriam os vilões.
A série é ultraviolenta e é proibida para menores de 18 anos. Nos Estados Unidos, começou a ser publicada pela DC Comics, mas devido a conteúdo impróprio - que banaliza a própria Liga da Justiça e figurões como Batman e Superman em provocações sádicas e sexuais - foi banida da editora. Passou para a Dynamite Entertainment e nem por isso perdeu leitores.
Tudo seria insosso e desnecessário, até mesmo apenas de mau gosto, não fosse a dupla que assina a revista. Apesar de ser mal vista por muitos, a série aposta no humor negro para se dar bem e consegue, na medida do possível. O anticlímax de Ennis, associado a sua ferrenha crítica à indústria dos super-heróis e aos desenhos de Robertson podem divertir bastante. Mas a revista é só pra quem tem estômago.
BATALHA PELO CAPUZ
Até há algum tempo, muitas das ''drásticas mudanças'' anunciadas pelas gigantes DC e Marvel Comics não passavam de ''mortes'' de personagens secundários, que logo voltavam à vida algumas edições especiais depois, sem nada mudar o status quo de cada universo, no chamado ''retcon''. Se essas ''mortes'' não acabaram, pelo menos agora fazem mais sentido e alimentam uma interessante dinâmica no continuum. Exemplo disso está em ''A Batalha pelo Capuz'', saga que inicia em ''Batman'' número 90, nas bancas brasileiras pela Panini Comics.
Como muitos devem ter acompanhado, Bruce Wayne está aparentemente morto depois de ser atingido pelos raios Omega de Darkseid no término de ''Crise Final''. Após seu desaparecimento, começa então a luta pelo capuz de Batman. É aqui que começa essa nova fase na vida do Homem-Morcego. ''Batman'' nº 90 compila as edições 1 e 2 de ''Battle for the Cowl'' e ''Battle for Cowl: Gotham Gazette Batman Dead?''.
A série coloca em destaque todos os personagens do ''Bat-Universo'', a exemplo de Asa Noturna, Robin, Caçadora, Jason Todd, Mulher-Gato, Damian, entre outros. Inicialmente há um certo suspense sobre quem é que vai assumir o lugar de Wayne, no entanto, logo um anticlímax e a mais provável hipótese comprovam o que todos os leitores já suspeitam desde o início da saga.
O que de mais importante acontece a partir daqui é que a DC Comics vem, coincidentemente ao lado da Marvel Comics, reestabelecendo personagens de formas parecidas. Com essa jogada, heróis de segunda linha podem ser explorados com mais densidade e ganhar espaço significativo, com uma verdadeira razão e motivações para existir.
Além disso, a DC dá um importante passo na revalorização de Batman. Assim como aconteceu com o Capitão América na editora rival, é preciso saber como o mundo reage sem seu Cavaleiro das Trevas para medir exatamente o quanto ele faz falta. Essa resposta segue de ''Batalha pelo Capuz'' até ''O Retorno de Bruce Wayne'', atualmente em publicação nos Estados Unidos.
SAMURAI
Pouco mais de dois anos depois de lançar ''Samurai - O Céu e a Terra'', a Devir Livraria disponibiliza a continuação da história de amor entre o samurai Shiro e sua amada Yoshiko. ''Samurai - Até o Fim do Mundo'' une mais uma vez roteiros do experiente norte-americano Ron Marz com os belos desenhos do brasileiro Luciano Queiroz, carinhosamente conhecido como Luke Ross em terras gringas.
Bem, só para lembrar um pouco, em ''O Céu e a Terra'', Shiro deixa o Japão feudal em época de conflito com a China, no início de 1700. O samurai parte em uma jornada que passa pelo oeste europeu e a França, em intensa batalha com diversos inimigos até encontrar Yoshiko. Nesta nova minissérie, Shiro enfrenta o espanhol Don Miguel Ratera Aguilar e precisa enfrentar algumas provações no Egito, onde tem que invadir um harém e exibir todas suas habilidades com a espada.
Mais uma vez, o destaque fica por conta das ilustrações e da narrativa de Luke Ross. Neste trabalho, o artista paulista deixa pra trás o estilo heróico visto em edições de ''Homem-Aranha'' para explorar mais a arte-final - com elementos que lembram até mesmo o compatriota Mike Deodato - e a pintura. É notável seu trabalho de pesquisa sobre trajes, locações e até mesmo no comportamento dos personagens da época.
Marz, por outro lado, tenta combinar vários estilos de história tendo aquele charme do Japão feudal como pano de fundo. O escritor busca incorporar elementos de clássicos que se passaram nas locações por onde Shiro atravessa para sair do lugar-comum. Até consegue, por alguns, instantes, mas logo volta a ser convencional, especialmente quando dá pra notar que muitas dessas situações são forçadas. A Devir aproveitou o lançamento deste segundo volume para recolocar nas prateleiras ''O Céu e a Terra''.
SERVIÇO
- ''Michael Chabon Apresenta - As Incríveis Aventuras do Escapista'' tem 192 páginas coloridas no formato 16,5 x 24 cm e custa R$ 44,50.
- ''The Boys'' tem 152 páginas coloridas no formato 16,5 x 24 cm e sai por R$ 39,50.
- ''Batman'' número 90 tem 76 páginas coloridas no formato 17 cm x 26 cm e custa R$ 6,50.
- ''Samurai - Até o Fim do Mundo'' tem 144 páginas coloridas no formato 16,5 cm x 24 cm e custa R$ 39,90.
POP-UP
Mandando bala
Lançado no último dia 18 de maio o jogo que deve mudar um pouco o assunto ''God of War 3'' deste primeiro semestre. A Rockstar Games, responsável pela série Grand Theft Auto, colocou nas prateleiras ''Red Dead Redemption'', para os consoles PlayStation 3 e XBox 360. O game segue o sucesso de ''Red Dead Revolver'', para PS2, e transfere os gamers para o cenário western. Desta vez, você encarna John Marston, um ex-criminoso que se vê obrigado a voltar à ativa. O título promove o tradicional ''mundo aberto'' da Rockstar, para exploração à vontade, além de coisinhas legais, como domar cavalos, modo online, construção de reputação de acordo com suas ações e, claro, o Red Eye, que te dá vantagem na hora de mandar bala contra os inimigos. A novidade custa a partir de R$ 185.
Momento heróico
Ambas Marvel e DC Comics entraram em um novo momento, algo que pode ser batizado como ''mais heróico''. A da Marvel leva realmente o nome ''The Heroic Age'', com diferente divisão de tarefas entre todos os heróis e um tom direcionado para os personagens mais icônicos, como Capitão América, Thor, Homem de Ferro, entre outros. A Casa das Ideias passou alguns anos explorando as motivações dos vilões e deixou os protagonistas em segundo plano. Já a DC vem com ''Brightest Day'', em que retornam da morte alguns personagens do passado. Depois de três edições do especial da nova fase, ainda não dá pra notar exatamente a mudança de tom no universo decenauta. Melhor aguardar um pouco para saber se as propostas vieram mesmo para melhorar o cenário.
Finais de temporada
Finalmente chega o encerramento de temporadas das séries mais comentadas nos últimos meses, como ''Lost'', ''House'', ''Smallville'', entre outras. ''Lost'' nunca me agradou pelos roteiros incongruentes e pela falta de referências autocontidas, o que afastou muitos novos fãs; mesmo que, por outro lado, tenha causado barulho suficiente para arrebanhar legião de seguidores, apesar do final esdrúxulo. ''Smallville'' mostra fraqueza para mais que uma temporada e está apelando mesmo para a criação da Liga da Justiça e para o derradeiro momento em que Clark Kent veste a roupa do Superman. No saldo, o que vale mesmo é esperar pelos novos capítulos de ''Dexter'', que terminou o quarto ano de forma angustiante e rendeu a Michael C. Hall o já tardio prêmio de Melhor Ator no Globo de Ouro. A quinta leva de aventuras do serial killer estreia em setembro. Fica a dica pra quem ainda não viu assistir o que estiver disponível.
Adaptações que vêm por aí
Depois de ''Homem de Ferro 2'' a próxima adaptação a desembarcar por aqui deve ser ''Kick-Ass'', que, sinceramente, é uma porcaria. O gibi já não era grande coisa e o filme ficou pior ainda, beirando o mau-gosto. Há um certo alvoroço em torno de ''Jonah Hex'', que coloca o western de terror da DC Comics nas telonas por meio de Josh Brolin, com bônus da atriz-gata Megan Fox. O filme estreia por aqui no dia 25 de junho e conta com participação de John Malkovich e direção de Jimmy Hayward. A maior expectativa fica por conta do tom irônico de ''Scott Pilgrim vs the World'', previsto para agosto lá fora, e que tem um elenco estrelado, com Michael Cera, Jason Schwartzmann, Brandon Routh e Chris Evans.
O material citado acima pode ser encontrado em Curitiba na Itiban Comic Shop (Av. Silva Jardim, 845). O telefone de lá é (41) 3232-5367.
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A maior parte dos textos publicados nesta coluna foi publicada na Folha de Londrina, tanto na versão impressa quanto na virtual.