Um homem vai a um cinema de quinta categoria, possivelmente aquelas pocilgas que só exibem pornochanchadas "Z", e, em um dos filmes, tem uma perturbadora revelação. Com uma incógnita na mente, busca saber quem são os responsáveis pela película. É aí que seu pesadelo começa.
Essa é a trama inicial de Como uma Luva de Veludo moldada em Ferro do norte-americano Daniel Clowes. O autor, que vive em Berkeley, na Califórnia, é conhecido por suas obras enigmáticas, a dualidade de seus personagens (muitos deles pra lá de bizarros) e o mundo cínico em que vivem. O questionamento da realidade está presente na maioria de suas criações. Por causa disso, Clowes é sempre comparado com cineastas como David Lynch - diretor que costuma abusar do tom surreal e do simbolismo em seus filmes.
Em Uma Luva de Veludo..., Clowes divide a produção em dez partes. A primeira parte propõe a cumplicidade do leitor com o personagem principal, Clay Loudemilk, já que podemos compartilhar de seus pensamentos iniciais e de parte de suas percepções. A partir daí o autor nos leva a inúmeros lugares e situações, a princípio, desconexos.
Como Lynch, Clowes sabe manipular o espectador, nesse caso o leitor, e tenta o tempo todo confundí-lo com imagens surreais e personagens estranhos - uma garçonete disforme; um homem que anda como um cachorro; e uma bola de pêlo, identificado como um cão, que tem em seu corpo sem orifícios uma das chaves para que Clay chegue onde pensa estar a resposta para tantas dúvidas.
As sequências visuais de Clowes são a ferramenta de grande precisão para sua narrativa. A arte-final é impecável e transmite com sucesso a atmosfera noir, carregada e sempre misteriosa. Alguns cortes são cinematográficos e para cada traço existe um propósito. Tudo é arranjado de maneira que os leitores possam tomar suas próprias decisões sobre o caso.
O que acontece de mais concreto e linear é que os sonhos de Clay parecem ser as pistas principais para a solução do mistério. A reunião de todas as seqüências sonhadas pelo personagem nos levam a uma lógica mais palpálvel do que a leitura habitual da revista - até porque, assim como nos filmes de Lynch, como A Estrada Perdida, existe quebra de espaço/tempo/realidade na narrativa, o que torna alguns trechos, inicialmente, incompreensíveis.
No último capítulo o autor nos remete às questões iniciais e o enredo fica um pouco menos nebuloso: a história se trata de rejeição e de uma estranha organização - possivelmente uma produtora de filmes snuff (películas de baixo custo realizados a partir de cenas reais; geralmente são violentos e o tema chegou a ser tratado em 8mm, filme em que atuou Nicolas Cage).
Mas nem isso é exatamente o que parece ser. E talvez seja essa mesma a intenção de Clowes: propor o questionamento, manipular os olhos do leitor, induzí-lo a deduzir, convidá-lo a fazer parte de um mundo diferente, fazê-lo pensar. E, por isso, não deve deixar de ser lido.
Como uma Luva de Veludo moldada em Ferro (Like a Velvet Glove Cast in Iron): por Daniel Clowes. Edição nacional pela Editora Conrad. R$ 33,00. Edição original pela Fantagrafics Books.
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Música+Quadrinhos: My Bloody Valentine+Como uma Luva de Veludo moldada em Ferro