Chicago, 1930. Época da depressão econômica norte-americana, pós-crise de 29 e em plena Lei Seca. Gangsteres disputam o poder enquanto Al Capone domina a cena e o agente federal Eliot Ness tenta desmascará-lo.
Nesse contexto, surge um matador nato, invencível, conhecido por poucos como O Anjo da Morte. Mas para sua pacata família, Michael O'Sullivan é um bom pai e dedicado marido. Até que um de seus filhos descobre a verdadeira vocação de seu genitor e o acompanha na busca pela vingança quando seu irmão e mãe são assassinados a sangue frio.
Essa é a trama de Estrada para Perdição HQ já lançada no Brasil com versão cinematográfica de destaque no Festival de Veneza. A revista tomou o mesmo rumo que diversas outras HQs nos últimos anos e foi levada para as telonas por Sam Mendes (Beleza Americana) com atuação de nomes de peso, como Tom Hanks, Paul Newman e Jude Law. Só nos Estados Unidos a produção da Dreamworks arrecadou US$ 65,5 milhões.
Mas voltemos a obra original. O roteirista Max Allan Collins, premiado por duas vezes com o Prêmio Shamus de Escritores de Histórias de Detetive narra com maestria, através dos olhos do filho do Anjo da Morte, a personalidade de um anti-herói em plena sociedade corrupta. Ele não só consegue transmitir as dúvidas sobre moral que afligem o garoto como também constrói um personagem invencível. Michael O'Sullivan é do tipo que consegue fazer proezas nas situações mais difíceis e ainda destrói seus oponentes de maneira impiedosa. Collins consegue explorar com sucesso os detalhes da trama através das palavras e sugerir diversas outras informações visuais sem redundância(o que acontece normalmente com escritores não habituados com a linguagem das HQs).
Já o ilustrador Richard Piers Rayner, que havia trabalhado em Hellblazer, impressiona. Rayner demorou quatro anos para terminar o material. E o resultado valeu a espera: suas passagens cinematográficas buscam a fotografia inusitada; os cortes de cena são editados de maneira precisa e o cenário - resultado de muita pesquisa - retrata com fidelidade o ambiente e a sociedade da época. Cada movimento, expressão e movimentação da "câmera" são milimetricamente planejados, sem desperdício de informação. Além disso, a arte-final de seus traços está impecável, com diversas técnicas de pena. Como a revista é em preto-e-branco, Rayner trabalhou muito bem as hachuras para conseguir as texturas das roupas e estruturas.
Estrada para Perdição faz parte de uma das variações da linguagem das HQs raramente produzidas, como A Cidade de Vidro, da trilogia novaiorquina de Paul Auster, quadrinizada David Mazzucchelli(Batman: Ano Um, Demolidor: A Queda de Murdock), Paul Karasik (Raw), Bob Calahan (Who Shot JFK?) e Art Spiegelman (Maus).
Estrada para Perdição, assim como Cidade de Vidro, é o tipo de produção que mais aproxima a literatura e o cinema dentro dos quadrinhos. E, só por isso, já vale a pena. Então, não perca tempo: Leia a HQ e depois corra para o cinema.
Estrada para Perdição: Max Allan Collins e Richard Piers Rayner. Edição nacional com capa de Gabriel Bá. Edição original pela DC Comics/Paradox e, no Brasil, lançado pela editora Via Lettera. 104 pgs. Em 3 partes, a R$ 16,50 cada.
Música+Quadrinhos: Louis Armstrong+Estrada para Perdição