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Mutarelli nos quadrinhos, na literatura e no cinema

30 set 2004 às 11:00

Mutarelli, durante bate-papo na Itiban, em Curitiba
- Theo Marques
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Lourenço Mutarelli é um fenômeno das Histórias em Quadrinhos brasileiras. O autor, que saiu das páginas de sombrios quadrinhos independentes, no final dos anos 80, conquistou enorme e fiel público e hoje tem álbuns traduzidos em Portugal e na Espanha. O artista foi além: começa a ser respeitado como escritor de romances e também mostra versatilidade em trabalhos para o cinema e para a Internet.

Mutarelli começou com fanzines, enquanto ainda trabalhava nos estúdios de Maurício de Sousa, em meados de 80, e só chegou ao grande público brasileiro de quadrinhos através do álbum ''Transubstanciação'', em 91. De lá pra cá, os fãs se acostumaram com suas histórias mórbidas e melancólicas, muitas vezes em tom de horror surrealista.

Durante toda a década de 90, Mutarelli continuou produzindo material considerado obscuro por muitos, ainda mais porque demorava a lançar histórias novas e, quando isso acontecia, as revistas acabavam indo sempre para um público direcionado. Entretanto, em 99, o autor deu início a uma nova fase, com ''O Dobro de Cinco'', um romance gráfico policial que marcou seu trabalho devido ao roteiro mais acessível, linear, e aos personagens, ainda doentes, porém mais articulados, sociáveis e até generosos. A mudança também foi visível na arte, que chegou a outros padrões, através de pesquisa intensa, em busca de uma narrativa grandiosa.

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Desde então, Mutarelli não parou de produzir. Terminou o arco do detetive Diomedes -protagonista de ''O Dobro do Cinco''- e escreveu seu primeiro romance, ''O Cheiro do Ralo'', que vai ganhar versão cinematográfica no ano que vem. Recentemente, produziu animações para o filme ''Nina'', dirigido por Heitor Dhalia e estrelado por Guta Stresser, e lançou o álbum ''Mundo Pet'', uma coletânea de curtas histórias coloridas feitas para o site www.cybercomix.com.br.

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Mutarelli esteve na Itiban, loja especializada de quadrinhos em Curitiba, durante o último final de semana, para uma sessão de autógrafos de seu novo álbum, e participou também de um debate na 16ª edição do evento cultural Perhappiness. A Folha de Londrina/Bonde aproveitou para bater um papo com o autor, que falou um pouco mais de suas produções e de seus futuros projetos.

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Lourenço, hoje você atua em várias linguagens. O que ajuda para os artistas explorar esses outros recursos, o que você aprendeu com isso?
Muda a necessidade da expressão, a linguagem. Os quadrinhos são muito desprestigiados, ainda existe um preconceito muito grande. E literatura e cinema abrem muito mais possibilidades. O que eu queria no fundo é atrair mais atenção para os quadrinhos. Mas é sempre legal explorar linguagens.


De ''Transubstanciação'' para cá, qual foi a maior mudança?
Foi o ''Cheiro do Ralo''. ''Transubstanciação'' foi um divisor de águas e ''Cheiro do Ralo'' também, com grandes mudanças, inúmeras possibilidades para as portas se abrirem. Nesse tempo consegui desenvolver maior sutileza, uma coisa que faltava para o meu trabalho. Um pouco de sutileza, um pouco de humor, menos rancor na maneira de ver as coisas.

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Muita gente lê e sente esse rancor que você mesmo citou. Você é uma pessoa feliz justamente porque consegue ''compensar'' as coisas através das histórias?
Exatamente, é totalmente terapêutico. Como consigo drenar, extravazar, fico tranquilo, me faz bem. Tanto é que quando fico muito tempo sem trabalhar, começo a ficar muito mal, preciso estar envolvido com algum projeto senão começo a afundar.


E com relação ao leitor, você também sente as mudanças, de ''Transubstanciação'' para cá?
Acho que fiquei mais saudável e o mundo mais doente. Meu trabalho hoje é muito mais aceito. O público mudou, até mesmo os desenhos animados que você vê no Cartoon, na Nickelodeon (canais pagos voltados para o público infantil), esses canais são extremamente doentios. São muito bons, Bob Esponja é ótimo, mas é um universo muito doente e as pessoas convivem melhor com isso, aceitam mais do que há dez ou 15 anos, quando procuravam esconder mais.

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Você costuma consumir muito quadrinhos e animações?
Não, muito pouco, cada vez menos. Gosto muito de literatura ou cinema. Gosto dos irmãos Cohen, do Kauffman, do John Malkovich, adorei Dogville. Leio muito do Dostoievsky, do Kafka, gostei desse sul-africano que ganhou o Nobel, o Coetzee (John Maxwell).


Diferente dos norte-americanos, que costumam produzir quadrinhos apenas a partir dos quadrinhos que leram, os europeus também são influenciados pela literatura, música e o cinema. Você acha que isso acontece com você também e o ajuda a fugir do lugar-comum?
Acho que sim. Desde criança tenho uma visão um pouco distorcida, um pouco incomum de mundo. No começo isso era ruim, me isolava do grupo. Mas como comecei a manifestar isso com o meu trabalho, passou a ser estilo, algo favorável. Leio coisas com as quais me identifico. São coisas que expandem ou te fazem acreditar mais nas coisas que você acredita, ou te fazem desacreditar nas coisas que nunca acreditou.

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Tem algum autor ou trabalho em especial que se identifica?
Adoro o Miguelanxo Prado (quadrinista espanhol), tive a sorte de conhecer, de conversar com ele, ganhar um original. Não sei até que ponto nosso trabalho tem a ver mas quando li, o trabalho dele me tocou muito. Tem coisas dos Crumb que me identifico, embora já estejam atemporais, tem posturas dele muito semelhantes ao que faço.


Como você vê essa nova experiência, no cinema, com ''Nina''?
Já vi o filme algumas vezes e não costumo gerar muitas expectativas com relação ao público. Ficou muito legal, todos foram muito fiéis à minha idéia. O filme tem uma carreira internacional, premiado lá fora, e todos os festivais comentam as animações. Então, fico muito feliz com isso, fiquei feliz com o meu trabalho, que é o que busco.

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O que você está pensando em fazer daqui pra frente?
Vou lançar dois livros, romances. Um em outubro, chamado ''O Natimorto'', e outro em novembro, que se chama ''Jesus Kid''. No começo do ano, começam as filmagens de ''O Cheiro do Ralo'' e também a apresentação de uma peça de teatro que escrevi para a Companhia da Mentira, um grupo de São Paulo. Estou terminando ''A Caixa de Areia'', um álbum de quadrinhos e tenho umas idéias novas, para depois.


Você hoje é quadrinista e escritor. Você sente falta das imagens quando está produzindo um romance?
Não, pelo contrário. Quadrinhos é muito trabalhoso, levo uma ano para fazer um álbum de cem páginas. E todos os livros que escrevi, os três, inclusive a peça de teatro, não levei um mês para terminar. Coisa de cinco, 15, 20 dias, e já sai pronto. Não senti falta das imagens porque é um mergulho muito rápido, muito prazeroso e menos desgastante do que fazer quadrinhos.

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E o que é diferente em relação ao público de quadrinhos?
Quando comecei quadrinhos fui muito renegado pelo grupo de quadrinistas que existia. Eles fizeram o máximo para que eu não entrasse no grupo. E o que me tocou foi que na literatura, que é uma coisa que respeito profundamente, as pessoas foram extremamente generosas comigo. Pessoas que coloco num santuário: Valencio Xavier, Glauco Mattoso, Ferréz, Marçal Aquino. Todos muito simples e que me acolheram de forma que me tocou muito. Nos quadrinhos, que é uma coisa tão desprestigiada, o pessoal da antiga geração é cheio de pudores, vaidades e coisas assim.


O que você não faria atualmente?
Tento evitar ilustração. Estou em crise com meu desenho, estou repensando meu desenho. Estou evitando, a não ser que seja algo que me interesse. Não faria de jeito nenhum ilustração de RPG (Mutarelli desenhava para publicações de Role Playing Games em 98), que fiz por muito tempo por necessidade e que nunca gostei do que fiz, fazia mal feito. Tenho recusado muitas coisas atualmente. Ou não pagam o suficiente, ou não são pessoas e projetos interessantes.


Quando é que você passou a buscar essa coisa de estar realmente satisfeito com o traço?
Foi com o Diomedes. Eu precisava estudar cenários, buscava um universo, estudando. O Diomedes pra mim é uma homenagem aos quadrinhos, é o quadrinho que eu queria ler, então tive que pesquisar muito. Mesmo nos personagens, todos são amigos meus, senão todos teriam a minha cara. Comecei a pedir para mandarem fotos de frente e de perfil e então eu adaptava de alguma forma. Aí comecei a tentar limpar mais, assumir o branco do papel, porque meu desenho na verdade é uma tentativa de esconder meu próprio desenho. O excesso de hachuras, de referências e de detalhes é uma maneira de tentar esconder o próprio traço. Agora tento fazer o contrário, um traço mais impressionista, sem detalhar tanto. Fiz uma ilustração para o livro do Leminski, que vai sair, e gostei porque foi uma coisa solta, experimental, é o tipo de traço que estou querendo explorar agora.


Onde você acha que poderia chegar?
Nunca imaginei que chegaria onde cheguei, com trabalhos de quadrinhos traduzidos em outros países. Nunca imaginei que nada disso pudesse acontecer, sempre me subestimo muito. Estou vivendo o melhor momento de minha vida. Se acabar agora valeu, o que vier é lucro. Essas coisas tem tempo curto, logo vem a decadência. O começo foi difícil pra caralho mas agora tá legal, tá bom.


Nome: Lourenço Mutarelli
Data de Nascimento: 18/04/1964
Local: São Paulo (SP)

Obras:
- Transubstanciação - 1991 (Editora Dealer)
- Desgraçados - 1993 (Editora Vidente)
- Eu Te Amo, Lucimar - 1994 (Editora Vórtex)
- A Confluência da Forquilha - 1997 (Editora Lilás)
- Seqüelas - 1998 (Devir Livraria)
- Requiem - 1998 (Edições Mini-Tonto)
- O Dobro de Cinco - 1999 (Devir Livraria)
- O Rei do Ponto - 2000 (Devir Livraria)
- Transubstanciação 2a. Edição - 2001 (Devir Livraria)
- A Soma de Tudo: Parte I - 2001 (Devir Livraria)
- A Soma de Tudo: Parte II - 2002 (Devir Livraria)
- O Cheiro do Ralo - 2002 (Devir Livraria)
- Mundo Pet - 2004 (Devir Livraria)


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