A editora Devir lança este mês mais um álbum do sempre intenso e perturbador quadrinhista brasileiro Lourenço Mutarelli. ''Mundo Pet'', traz 12 histórias curtas, publicadas originalmente na Internet, que agora ganham forma de álbum e pela primeira vez trazem a arte do autor em cores.
As cores, aliás, surpreendem devido ao estilo de Mutarelli. Desde seu primeiro álbum, "Transubstanciação", lançado em 1991, o preto-e-branco (ou talvez o cinza) são as tonalidades que mais combinam com o teor de suas histórias. Dor, agonia, solidão, medo, angústia e raiva povoam um universo de personagens deformados, carentes, esquizofrênicos e pobres de espírito. Não é o tipo de quadrinhos recomendados para quem ainda só lê Disney ou Maurício de Sousa e, com certeza, mexe com as sensações e a imaginação do leitor.
Essa sua forte característica, um tanto depressiva devido a sua fobias, acabaram chamando a atenção de todos na década passada. Sua arte, impulsionada pela doença -que muitas vezes acabava nas páginas, como uma espécie de desabafo-, tornou-se a cada dia mais visceral e intrigante. Em ''Te Amo Lucimar'' (seu terceiro álbum, lançado em 94), por exemplo, Mutarelli narra a vida de um rapaz que perde o irmão gêmeo. O que prende a atenção do leitor é que os garotos cresceram de forma incomum, sentindo tudo o que o outro sentia. Portanto, enquanto um decompõe, o outro experimenta a morte em vida.
Essa característica acabou, obviamente, afastando alguns leitores e em compensação formou um público fiel ao seu trabalho. Mais tarde, já recuperado de sua doença, Mutarelli decidiu investir em uma história mais complexa e pretensiosa. Assim, em 99, ele lançou ''O Dobro de Cinco'', a primeira edição de uma ''trilogia em quatro partes'', já que o último tomo, publicado em 2002, foi dividido em dois. Com a história do detetive Diomedes, o autor estabeleceu de vez sua marca no quadrinhos nacional, em um trabalho belíssimo, tanto em roteiro quanto em arte.
Durante o tempo em que terminou a trilogia e produziu ''O Cheiro do Ralo'', lançado em 2002, Mutarelli dedicou parte de seu tempo fazendo histórias curtas, aquelas anotações de caderno que não rendem um álbum mas bons contos ilustrados. Esse material foi produzido para o site Cybercomix, que deu liberdade total ao quadrinhista, apenas pedindo para que os desenhos fossem coloridos.
Assim nasceu ''Mundo Pet'', que coleciona 12 histórias, produzidas de abril de 98 a outubro de 2000. Pela primeira vez os leitores vão ver a arte de Mutarelli em tons de ecoline e aquarela, com técnicas de colagem, como o próprio autor explica. Isso não pode parecer muito, mas faz diferença.
Principalmente porque aqui, os fãs vão ter contato com um Mutarelli mais ''ensolarado'', o que não significa exatamente alegre. Ainda em tom autobiográfico, o autor mostra um lado mais cotidiano, explorando o dia-a-dia com mais humor (negro, lógico) e naturalidade. Então, o colorido não apenas deixa suas ilustrações mais belas e chamativas, como também estende suas emoções e amplia os significado de suas reflexões. Exemplo disso está em ''História Forjada'', que abre a edição e parte de uma simples visita do autor à sua avó em uma casa de repouso. Ela diz que teve seu vestido trocado e, durante novas idas aos asilo, Mutarelli questiona o valor material das coisas.
Ao final de uma pequena nota do autor, Mutarelli, após falar um pouco sobre a produção das histórias, agradece e pede desculpas porque continua gritando em suas criações. Enquanto seus berros permancerem ecoando em forma de quadrinhos como esses, os leitores terão o enorme prazer de perdoar e incentivar, pelo menos, novos sussurros.
O álbum ''Mundo Pet'', de Lourenço Mutarelli, é lançamento da editora Devir e está disponível apenas em lojas especializadas em quadrinhos. A produção tem 114 páginas, no formato 18cm x 26,5cm, ao preço de R$ 36.
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