Curitiba - O cenário é Seattle, berço do grunge, local de grande inquietação juvenil e efervescência roqueira. Quando a noite chega, os estudantes trocam os pátios de colégios por noitadas regadas a álcool e drogas, seja em reuniões nas matas marginais ou em festinhas particulares. E o cair da escuridão começa a ficar sinistro quando os jovens passam a manifestar estranhas mutações. Esse é o mote da obra-prima do norte-americano Charles Burns, ''Black Hole'', que chega ao Brasil pela Conrad Editora.
Em ''Black Hole'' há sempre uma atmosfera cínica, sombria e muitas vezes surreal. Esse é o estilo de Burns, que gosta de mexer com aquele lado pertubardor de cada um de nós. Se seu compatriota Daniel Clowes, autor de ''Como Uma Luva de Veludo Moldada a Ferro'' e ''Ghost World'', é a versão quadrinista do cineasta David Lynch, Burns então pode ser comparado a David Cronenberg em seus momentos de maior contemplação ao absurdo, como na adaptação de ''Naked Lunch'' (Mistérios e Paixões), de William Burroughs, ou nos trabalhos do início dos anos 70 até o começo de 90.
Bem, a história se passa na Seattle dos anos 70. O foco fica sobre grupos de jovens medíocres, que passam as manhãs vivendo a vida besta sem grandes perspectivas naqueles típicos colégios estadunidenses e gastam o resto do tempo se drogando e tentando levar alguém pra cama. É aí que mora o perigo: algo estranho vem acontecendo, uma espécie de ''doença'' contagiosa e transmitida sexualmente vem se manifestando por meio de mutações, aparentemente inexplicáveis, como uma segunda boca na garganta, descamação e mãos com membranas, entre outras aberrações.
O que mais chama a atenção, inicialmente, é a arte de Burns, especialmente seu talento com o nanquim em preto e branco. A arte-final é impecável, o trabalho com as texturas, a caracterização dos personagens, as imagens insólitas e a atmosfera de que algo realmente esquisito está acontecendo são o grande charme do material, que não à toa foi ganhador do Eisner Award de Melhor Álbum de 2006 e nove Harvey Awards. Lançado como minissérie, levou dez anos para ser concluída, de 1995 a 2005.
E o que completa a obra é a forma direta com que Burns dialoga com os leitores, sejam eles jovens ou não. O quadrinista fala sem rodeios sobre drogas e sexo de um jeito bastante peculiar, utilizando muitas gírias e situações bastante comuns da juventude atual, seja dos Estados Unidos ou qualquer outro lugar do mundo. Como toda boa história como essa tem chamado a atenção de Hollywood, ''Black Hole'' deve estar em breve nas telonas pelas mãos de Neil Gaiman e Roger Avery, dupla responsável pelo vindouro ''Beowulf''.
A tradução da Conrad também ajudou bastante na adaptação e a edição está bela, com capa dura, boa impressão e papel de gramatura adequado. A história sai por aqui em mais dois volumes.
Serviço - ''Black Hole - Introdução a Biologia Volume 1'', é editado pela Conrad Editora. A obra tem 184 páginas em preto e branco, no formato 16 x 23 cm, e custa R$ 36,90.
O material citado acima pode ser encomendado em Curitiba na Itiban Comic Shop: Av. Silva Jardim, 845. Fone: (41) 3232-5367.