Mestre dos quadrinhos ganha encadernado de luxo em publicação da Quadrinhos na Cia., que também lança no Brasil o elogiado ''Retalhos''
Curitiba - Grandes escritores já disseram que as melhores histórias estão sempre por perto, mais do que do que as pessoas imaginam. Às vezes falta apenas um pouco de atenção e sensibilidade para notá-las. É justamente o que sobrava ao veterano quadrinhista Will Eisner, que, com muito talento, conseguia como poucos transformar o ordinário em extraordinário nas suas páginas de desenho e narrativa. Mostra disso está no encadernado ''Nova York - A vida na grande cidade'', que inaugura o selo Quadrinhos na Cia., da Companhia das Letras.
''Nova York'' coleciona em um ousado e belo projeto gráfico os álbuns ''Nova York: A grande cidade'', ''O edifício'', ''Cadernos de tipos urbanos'' e ''Pessoas invisíveis''. Os quatro volumes não foram selecionados para estarem juntos à toa. Em comum, a capacidade que Eisner tinha em acrescentar níveis tragicômicos aos personagens urbanos, ao cenário que ganha vida, à narrativa que faz rir e chorar, como uma peça artística deve fazer.
No primeiro ato, Eisner, como bem sugere a capa do livro, é apenas um espectador. Sem muitas palavras, munido de um pincel, transita entre as nuances de cinza com a mesma facilidade com que contrasta os sentimentos de seus transeuntes na selva de pedra, no caso Nova York. Tudo com simplicidade e originalidade. Em um segundo momento, registra os estereótipos em uma espécie de ''catálogo urbano''. Chega a ser impossível para o leitor não se encontrar em pelo menos um deles.
A partir do segundo, explora com mais intensidade esses personagens e usa a força dos diálogos para aprofundar seus medos e desejos. Uma forma, também, de justificar a densidade com que visita a ironia, a generosidade, a crueldade e a indiferença.
Os volumes colecionados neste livro já foram publicados por aqui de alguma forma no passado mas merecem um registro notável devido ao cuidado gráfico do recém-inaugurado Quadrinhos na Cia. O formato grande (inclusive com um número de páginas até então incomum para uma história em quadrinhos no Brasil), com papel especial em tom bege e gramatura adequada, aliado à introdução de Neil Gaiman (Sandman), valorizam os traços de pincel em tons de cinza de Eisner.
RETALHOS
Outro trabalho que dificilmente se imaginaria no Brasil devido ao número de páginas é ''Blankets'', de Craig Thompson, traduzido por aqui como ''Retalhos''. A obra, de 592 páginas, chega ao Brasil também pela Quadrinhos na Cia.
''Retalhos'', obra autobiográfica nos moldes de ''Fun Home'', de Alison Bechdel, relata o crescimento do autor em meio a questões existencialistas envolvendo relações familiares e amorosas. Religião e sexo são uma constante em páginas com narrativa elaborada, fluída, a partir de uma bem construída arte-final em pincel, que leva facilmente o leitor do início ao fim em viagem ininterrupta.
Com o formato um pouco menor do que a edição original, ''Retalhos'' manteve o tom intimista e frio de Thompson, especialmente porque a história se passa na gelada região de Winscosin, nos Estados Unidos. Além das duas edições, a Quadrinhos na Cia. lançou também em maio ''Jubiabá'', adaptação de Jorge Amado pelo artista Spacca; e ''O Chinês Americano'', de Gene Wen Yang. Fica agora a expectativa para os lançamentos de ''Bottomless Belly Button'', de Dash Shaw, em agosto; e ''Jimmy Corrigan: The Smartest Kid on Earth'', de Chris Ware, em outubro.
SERVIÇO
- ''Nova York - A vida na grande cidade'', de Will Eisner, tem 440 páginas no formato 20 x 27 cm, com capa colorida e miolo em tons de cinza a R$ 55.
- ''Retalhos'', de Craig Thompson, tem 592 páginas no formato 15,8 x 23 cm, com capa colorida e miolo preto-e-branco a R$ 49.
O material citado acima pode ser encontrado em Curitiba na Itiban Comic Shop (Av. Silva Jardim, 845). O telefone de lá é (41) 3232-5367.
A maior parte dos textos publicados nesta coluna foi publicada na Folha de Londrina, tanto na versão impressa quanto na virtual.