Em 1960, pouca gente arriscaria dizer que uma voluptuosa loira, de seios fartos e com cara de bonequinha Barbie poderia se tornar uma das principais personagens de histórias em quadrinhos. E muito menos um marco nas produções alternativas. Porém, foi o que aconteceu. Little Annie Fanny, criada pelo lendário Harvey Kurtzman, finalmente tem uma publicação especial no Brasil, ''Aninha, Bonita e Gostosa'', lançada este mês pela Editora Abril.
Kurtzman pode ser considerado o pai da contracultura e dos quadrinhos underground no grande mercado norte-americano. Nascido em 1924, em Nova York, o autor participou das principais mudanças no cenário mundial da nona arte e deixou um legado que até hoje inspira os criadores a produzirem histórias mais críticas. Até 1993, usou o traço como seu principal instrumento de guerra contra a sociedade do consumo.
Kurtzman começou sua carreira ilustrando histórias de terror e tiras de western. Em 50, ele decidiu investir no humor e foi um dos destaques da revista MAD, publicada até hoje, inclusive no Brasil. Em 56, o dono da Playboy, Hugh Henfer, fascinado com as histórias em quadrinhos, decidiu investir no setor e convocou alguns criadores, entre ele Kurztman, que deixou a MAD.
Logo em seu primeiro trabalho, chamado de ''Jungle Book'', Kurtzman impressionou Hefner com seus traços exagerados, cômicos e com uma arte-final incomum, mais pesada, cheia de hachuras e tons diferentes dos utilizados nos cartuns. Sua ironia com os fatos cotidianos, associados às paródias de super-heróis e até mesmo de personagens de livros e filmes, logo agradaram o público adulto, que, pela primeira vez, tinha um material desenvolvido especificamente para eles.
Foi então, que, em 62, Little Annie Fanny nascia, uma legítima representante da crescente comunidade consumista. Com suas histórias, Kurtzman trouxe uma personagem sexy, muitas vezes comparada à Marilyn Monroe e Brigitte Bardot, em situações cômicas com piadas inteligentes. Assim, ele aproveitou para criticar o modo de vida norte-americano, as futilidades que a tevê passaram a transmitir, a corrida do capitalismo selvagem, a revolução sexual, entre outros assuntos. Ou seja, nada tão diferente dos dias de hoje. Tudo isso desenhado com artistas de primeira linha, como Will Elder, Jack Davis, Al Jaffee, Russ Heath e Frank Frazetta.
O material caiu como uma bomba na cabeça de jovens criadores da chamada ''safra underground'' dos quadrinhos, como Spain Rodriguez, Jay Lynch, Gilbert Shelton, Frank Stack e S. Clay Wilson. O mais influente deles foi Robert Crumb, que assimilou o trabalho de Kurtzman em obras como ''Fritz, the Cat'', e outras publicações alternativas, como a ''Aargh!'' e ''Zap Comics''. Algo equivalente à literatura beatnik de Jack Kerouac, Charles Bukowski e William Burroughs.
As histórias de Kurtmanz não chegaram a ser publicadas na Playboy brasileira. Por aqui, Little Annie Fanny teve uma tímida participação em algumas tiras, principalmente porque as críticas do autor poderiam parecer sem sentido, já que atacavam o coração da América. Porém, hoje, com a cultura norte-americana encravada no nosso dia-a-dia, as aventuras de Aninha nunca foram tão atuais.
Assim como nos Estados Unidos, onde Little Annie Fanny foi publicada pela Dark Horse Comics, as histórias da garota foram compiladas em quatro edições, que devem ser lançadas nos próximos meses pela Editora Abril. Esse primeiro volume reúne as primeiras 22 histórias, criadas entre 1962 e 1970. A versão em português tem introdução e notas de Dennis Kitchen, editor e desenhista da independente Kitchen Sink Press. Sua contribuição para a revista traz informações muito interessantes sobre o processo de produção e seus criadores.
''Aninha, Bonita e Gostosa - Vol. 1'', tem 114 páginas, no formato magazine, ao preço de R$ 19,95 e pode ser encontrada em todas as bancas.
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