Em tempos de eleições presidenciais nos Estados Unidos, de Michael Moore atacando Bush, de Bush atacando o Iraque, nada poderia ser mais atual do que o álbum ''América'', de Robert Crumb, o pai dos quadrinhos independentes. A produção, que reúne os trabalhos mais ácidos do autor em relação ao comportamento e a política da terra do Tio Sam, chegou em outubro nas lojas especializadas brasileiras.
Só para refrescar a memória, Robert Crumb é considerado por muitos o pai (que na verdade já é avô) dos quadrinhos underground. Poucos podem contestar ou tentar encontrar outro autor que tenha tido a mesma vontade ou idéias antes de Crumb, mas foi ele quem produziu com regularidade, de forma independente, histórias contestadoras e experimentais.
Crumb nasceu na Filadélfia, em 1943 e, desde criança, já fazia esboços e revistas feitas em casa. Seu personagem predileto era ''Fred, the Cat'', que daria gênese, anos mais tarde, ao popular ''Fritz, the Cat'' (que também teve um álbum lançado no Brasil). Em 1960, passou a ilustrar cartões postais e manteve contato com Harvey Kurtzman (que esteve à frente da revista ''Mad'', em sua melhor época), o então editor da ''Help! Magazine''.
Em 67, Crumb lançou seu primeiro álbum completo, numa edição da ''Zap Comix'' (também trazida para solo tupiniquim recentemente). A revista foi sucesso imediato e logo chamou a atenção de outros autores do cenário underground, que estava em alta. É bom lembrar que, nesse período, muitos quadrinhistas tinham um trabalho em uma grande empresa, para pagar as contas, e tocavam seus projetos alternativos por fora (muito parecido com o que acontece hoje).
Os trabalhos de Crumb movimentaram o cenário independente, que passava cada vez mais a aglutinar outras linguagens em torno da contracultura. A música (especialmente o jazz), a literatura (dos beatniks) e o cinema passaram a andar de mãos dadas nas obras de Crumb, com referências indiretas. A crítica ao sistema norte-americano, a contestação dos valores da cultura dos Estados Unidos sempre estiveram nas páginas de suas revistas.
A principal característica das histórias de Crumb, além das críticas a América, são os traços rebuscados em arte-final tosca e o hedonismo de personagens antropomórficos. Além disso, é comum notarmos a versão do derrotado, a reflexão pessimista e as chagas dos centros urbanos dilacerando o caráter dos cidadãos.
No álbum ''América'', que coleciona trabalhos criados entre 70 e 77, Crumb aproveita seus traços de forma diferente em alguns cartuns e usa de diferentes técnicas de nanquim, de acordo com o tipo de história que conta. Um exemplo é o uso de desenhos infantis para satirizar o ''mundo bonitinho'' em que todos vivem. A sociedade do consumo, aliás, é o principal alvo do quadrinhista, que ri da vidinha medíocre norte-americana, principalmente das autoridades, em sequências de sarcasmo e cinismo. ''As Aventuras do Cabeça de Cebola'' e ''Frosty, o Boneco de Neve e seus amigos'' carregam o tom infantil irônico, presente em quase toda a produção.
Hoje, Crumb, que se viu este ano na adaptação cinematográfica de ''American Splendor'' -revista que desenhou por um tempo a partir dos roteiros de Harvey Pekar-, vive com a mulher, Aline Kominksky-Crumb e a filha, Sophie, no sul da França. Ele odiou o filme que narra sua trajetória e é tema de outras biografias.
''América'', de Robert Crumb, é editado pela Conrad Livros, que também lançou este ano ''Fritz, The Cat'', ''Zap Comix'' e ''Mr. Natural'', todas obras do mesmo autor. A produção tem 106 páginas, no formato 21 cm x 26,5 cm, e é recomendado para o público adulto. O álbum pode ser encontrado apenas em lojas especializadas, ao preço sugerido de R$ 25.
Música+Quadrinhos: Dead Kennedys+América
O colunista entra de férias em novembro e só retorna em dezembro. Até lá, o arquivo de todas as matérias anteriores está à disposição.