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UMA FLOR AO JARDINEIRO

26 fev 2010 às 19:21
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Exercitar com mais frequência o culto do agradecer tornaria as pessoas mais felizes. Mas tal não ocorre porque no mais das vezes elas não percebem o benefício e a beleza das coisas que as rodeiam, nem das dádivas que a vida lhes oferece a cada instante. Habituam-se a recitar lamentações e fazem disso um vício. A prática repetitiva de narrar e rememorar eventos tristes as faz amargas, turvando-lhes a percepção das coisas maravilhosas que desfilam à sua frente, sem que as notem.

O dom da vida é a maior das dádivas, mas as pessoas raramente se detêm para agradecer por esse perene privilégio. O coração pulsa mesmo enquanto dormem e os pulmões absorvem e expelem o ar continuamente, porém isto lhes passa despercebido. O sol se levanta e se põe com precisa regularidade, mas as pessoas poucas vezes proclamam que é lindo o dia e que é repousante a noite que chega.

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Todos têm a graça do livre ser e do livre pensar, a mente singra os espaços e voa para além das galáxias, mas não percebem que eles próprios compõem a majestade do universo que contemplam. As pessoas sentam-se à mesa e alguém lhes serve o alimento, mas poucas fazem reverência àqueles que, com o cansaço dos músculos e o suor do rosto sulcaram a terra e extrairam dela o sustento para tantos.

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E os que trabalham os campos pouco agradecem pelo fabricante do arado, do trator e da ceifadeira e ao animal que os transporta pelas veredas. As pessoas pouco se agradecem entre si, mas alguém confeccionou os sapatos que lhes protege os pés da terra quente e pedregosa, a roupa que cobre a nudez e as abriga do frio, o chapéu que protege a cabeça do sol escaldante.

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O cientista descobre a fórmula, o médico a ministra ao paciente e o remédio cura a doença; toda uma legião de anônimos movimenta-se nesse processo de amenizar dores e sofrimentos, um garantindo ao outro a sobrevivência, mas eles pouco se louvam. Alguém, enquanto outros dormem, monta a guarda, e estes lhes pagam o soldo, mas eles não se reconhecem.


Enquanto alguns produzem suas criações e seus inventos - para a própria manutenção e para beneficiar as pessoas - outros mais fazem descobertas, arrojam-se em empreitadas perigosas e proporcionam iguais benefícios a outrem, mas raros são os que se detêm para um momento de gratidão uns para os outros.

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O jardineiro cultiva as flores, porque este é o seu meio de vida, e sem perceber faz mais festiva a paisagem e proporciona que os amantes enviem essas flores às suas amadas, e assim nutre o amor. Mas as pessoas se esquecem de enviar uma imaginária flor ao jardineiro.


Pessoas anônimas construiram as moradias, instalaram todas as utilidades domésticas, e quem delas se beneficiou esqueceu de dedicar-lhes, ao menos mentalmente, um minuto de gratidão. Alguém dotado de gênio inventou os instrumentos musicais, alguém mais compôs a música, especialistas criaram tecnologias que tornaram possível ouvi-la eletrônicamente, e quase ninguém se curva em reverência a esses talentosos inventores.

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Homens intrépidos rasgaram a mata para traçar as estradas, outros tantos as construiram, uma pessoa inventou o automóvel, outra o aperfeiçoou e hoje uma legião de técnicos os fabrica, para usuários que desconhecem, e esses usuários os compram e garantem o emprego de muitos, mas todos se imaginam pagos e esquecem do culto ao agradecimento por tanto esforço mútuo.


Escasseia a homenagem do discípulo ao mestre, e a este raramente ocorre agradecer ao aluno pela oportunidade que lhe dá de ser útil. Aos serviçais que carregam as cargas pesadas, limpam os cômodos e recolhem os detritos, poucos se lembram de uma menção de lembrança. E àqueles que prestam socorro nos momentos de emergência, que acarinham com gestos e consolam com palavras, quantos lhes tem sido gratos?


Mas, sobretudo, quantos agradecem aos que os atropelam, no entanto os fazem cair e ensinam a levantar-se? Aos que colocam obstáculos pelo caminho, mas os fazem saltar? Aos que os chutam, empurrando-os para a frente? Aos que os enganam, alertando-os a que fiquem vigilantes? Estes os agradecimentos mais difíceis, porém - se não com palavras mas ao menos com sentimentos - fazem um grande bem.

As pessoas já têm por hábito gastar tempo e palavras para fazer críticas, mesmo aos que as servem, então não custa experimentar o contrário. O dispêndio de energia é o mesmo, com a vantagem de que os resultados são infinitamente melhores quando se adquire o hábito de agradecer, por todas as coisas.


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