(Artigo que publiquei dia 6-8-2013 na FOLHA DE LONDRINA)
Em nenhum momento ouviu-se do papa Francisco o tom ameaçador aos fiéis (muito comum nas igrejas denominadas cristãs) de que somos pecadores e sujeitos a castigos divinos; e em nenhuma vez o pontífice fez menção a demônios e ao "fogo do inferno", tão do agrado de certos sistemas de crenças. O papa não falou de pecado original, de ira de Deus e de que temos que teme-lo. Estes são inventos dos homens do passado, que certamente tinham o propósito de amedrontar a população mais endurecida da época, supostamente capaz de intimidar-se só por ameaças dessa natureza.
Francisco também não se ateve à leitura de versículos, no geral de difícil entendimento e dúbias interpretações por quem ouve e quem os recita. Ele falou de fraternidade e de ajuda mútua e em nenhum momento conclamou os ouvintes a filiar-se à sua igreja - e entre eles, no Brasil e em todo o mundo que o escutava - havia gente de todas as religiões. Acredita-se que até os ateus o ouviram, porque ele ocupou-se bastante de falar do comportamento humano. O papa falou diretamente ao coração dos homens e, sem dúvida, falou do íntimo de seu próprio coração. Ou não teria contagiado a tantos, como foi possível concluir. Também não cobrou a manutenção de dízimos e não ofereceu à venda livros, CDs, "peças abençoadas" e carnês bancários de ajuda "ungidos pela graça divina". Certo que as igrejas, uma vez institucionalizadas, precisam sustentar-se e por isso ter receita, embora já não haja a necessidade de templos após o advento da televisão e das redes sociais. Enfim, cada qual que dê a Cesar o que é de César... Mas, ao invés de sustentar abusivamente certos mercadores dos templos, melhor é primeiro comprar o leite das crianças...
Imagina-se que uma nova ordem esteja sendo plantada, acenando para um futuro de menos igrejas de concreto e mais igrejas fraternas, mais voltadas para a solidariedade, para a espiritualidade (que não é o mesmo que religiosidade) e para uma maior atenção ao drama da pobreza e de todas as misérias humanas, aí incluídas as drogas, a delinquência, a fome e a aridez espiritual. Porque a espiritualidade genuína repousa no comportamento virtuoso dos homens. Não há incompatibilidade entre a busca do bem material - que seja para todos, na proporção dos anseios básicos de cada um - e o culto da espiritualidade. "A igreja precisa praticar o que prega" - disse Franscisco. Ele defende claramente uma mentalidade coletiva mais voltada para si mesma, no sentido do homem salvando o homem. Tudo isso sem desprendermos o olhar para amanhãs mais gloriosos que a Providência Divina nos reserva e nos disponibiliza.
Em síntese, uma mais estreita união da família humana, pois somos todos habitantes desta nave e todos interdependentes. Todos, portanto, temos a mesma responsabilidade. Essa mesma Providência, sintetizada no Pai Universal, quer primeiro que olhemos para nossos iguais aqui na Terra, porque assim estaremos olhando para Ele. Padre Leonardo Boff, proscrito pelo papa Ratzinger, fala da comensalidade, que ele quiz dizer simbolicamente o assento à mesa para todos. O papa Francisco não criticou religiões, pregando, isto sim, o culto do encontro, e não inibiu os fieis com alertas sinistros de punições divinas. Se há fraternidade humana, está implícita a união do homem com Deus.