A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, principal colegiado da Casa, virou um reduto de parlamentares da oposição ao governo Lula (PT) e privilegiou uma pauta ideológica durante a gestão de Caroline de Toni (PL-SC) em 2024. A postura gerou críticas de parlamentares governistas.
De Toni incluiu na pauta ao longo do ano matérias que miram a atuação do STF (Supremo Tribunal Federal) e do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), além de aprovar PECs (propostas de emenda à Constituição) que podem acabar com o aborto legal no Brasil e sobre drogas.
Ela também tentou dar andamento a um projeto de lei que anistia os condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro.
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Isso só não foi votado no colegiado porque o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), retirou o texto da pauta em meio às negociações para sua sucessão e propôs a criação de uma comissão especial para discutir o tema, algo que não saiu do papel.
A CCJ é considerada a principal comissão da Casa, já que por lá tramitam todas as matérias antes de seguirem ao plenário. No último ano, a maioria das cadeiras foi ocupada por representantes da oposição, o que facilitou o andamento dessas propostas consideradas polêmicas.
As sessões foram marcadas por bate-bocas entre parlamentares, com troca de ofensas de parte a parte. Dos projetos mais controversos, poucos seguiram para votação no plenário da Câmara, mas a deliberação na CCJ foi suficiente para promover pautas ideológicas da direita e sinalizar à militância.
De Toni é da ala radical do PL e foi escolhida pelo partido para ocupar o cargo em março, numa derrota para governistas. Ela integra a bancada ruralista, defende o armamentismo e se coloca contra o aborto.
Se antes nomes do centrão deram apoio a ela para ser eleita, hoje líderes partidários do grupo defendem um perfil de centro para ocupar a cadeira neste ano.
A deputada foi duramente criticada por governistas pela maneira como conduziu os trabalhos da comissão. Eles se queixavam, principalmente, da falta de diálogo com os demais parlamentares para montar a pauta de votações e da interrupção das reuniões da coordenação da CCJ, nas quais os partidos poderiam discutir os temas a serem analisados.
Nos bastidores, parlamentares com cadeira na CCJ de partidos que vão do centrão à esquerda dizem que a gestão dela diverge completamente da de seu antecessor, o deputado Rui Falcão (PT-SP). Eles afirmam que apesar de ser petista, Rui incluiu temas diversos na pauta e sempre atendeu os partidos.
Em sessão em novembro, o deputado Bacelar (PV-BA) afirmou que a pauta da comissão sob a deputada era estabelecida de "forma autoritária, exclusivamente sob o interesse de um determinado grupo político e de determinados partidos".
À Folha a presidente da CCJ rejeita as críticas e diz que a formulação da pauta é prerrogativa do presidente. Ela afirma que, apesar disso, respeitou a pluralidade e pautou projetos de todos os partidos.
De Toni avalia o resultado de sua gestão à frente da comissão como "muito satisfatório". Segundo ela, foi possível ressuscitar debates "essenciais e caros à sociedade", como ela classifica.
"O mais importante é que não vamos retroceder. Os avanços conquistados serão mantidos e trabalharemos até o fim para dar prosseguimento às aprovações."
A deputada diz que a mudança de perfil da comissão é um "reflexo da vontade do eleitorado", que deseja ver suas ideias e prioridades discutidas.
"A CCJ tornou-se um dos poucos espaços em que a direita e os conservadores puderam debater e expor suas pautas. Isso é natural em uma democracia. Deputados de direita tiveram votações históricas em muitos estados, representando uma parcela significativa da população que, até então, não se sentia ouvida."
O deputado Rubens Pereira Jr. (PT-MA), coordenador do governo na CCJ, afirma que a presidente teria se valido do colegiado para "atender a uma agenda ideológica de seu partido". Ele diz não ver problemas no fato de a oposição presidir o colegiado, mas, sim, "no uso indevido" do espaço.
"Houve uma instrumentalização da pauta para manter em discussão na esfera pública assuntos que não possuem qualquer urgência, mas atendem a agenda ideológica dos bolsonaristas extremistas", diz ele. "O Brasil quer discutir economia, investimentos, crescimento, corte de gastos. A CCJ estava debatendo voto impresso e anistia a golpistas. Parece um mundo paralelo."
A deputada Bia Kicis (PL-DF) avalia que De Toni se saiu bem à frente do colegiado, tendo sido "firme, corajosa e justa". Kicis presidiu a CCJ em 2021, durante o governo Jair Bolsonaro (PL).
"A minha gestão servia de base do governo, pude trabalhar com pautas de interesse do Executivo. Já a presidente Carol está enfrentando um governo que trabalha exatamente contra os nossos valores, ela tem que cuidar muito da pauta", disse a deputada bolsonarista.
"Talvez por isso partidos tenham colocado parlamentares mais ideológicos [na comissão], para poder sustentar uma pauta de oposição a esse governo."
Confira pautas ideológicas discutidas na CCJ em 2024
PEC das Drogas
O colegiado aprovou a PEC por 47 votos favoráveis e 17 contrários em junho. A proposta constitucionaliza a criminalização de porte e posse de drogas e foi apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em reação ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) que descriminalizou o porte da maconha para uso pessoal.
PEC do Aborto
A CCJ aprovou a PEC por 35 votos favoráveis e 15 contrários, em sessão marcada por bate-boca entre os parlamentares e manifestação de mulheres contra o texto. Apresentada em 2012, a PEC é de autoria de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara. O texto propõe uma mudança no artigo 5° da Constituição, que trata dos direitos fundamentais dos cidadãos, incluindo a inviolabilidade do direito à vida "desde a concepção".
Pacote anti-MST
Diversas matérias que miram a atuação do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) foram aprovadas na CCJ. Patrocinadas pela bancada ruralista, foram levadas à pauta em reação às invasões do MST no chamado Abril Vermelho. Entre os textos aprovados estão um PL para permitir que proprietários de imóveis rurais e urbanos possam solicitar força policial para a retirada de invasores, independentemente de ordem judicial, e outro que determina que movimentos sociais e populares organizados em mais de três estados devem adquirir personalidade jurídica.
Pacote anti-STF
Numa ofensiva liderada pelo PL e com apoio do centrão, a CCJ aprovou em outubro dois projetos de lei e duas PECs que limitam poderes dos ministros do STF. As PECs foram enviadas por Lira à comissão numa resposta à decisão unânime da corte de suspender a execução de emendas parlamentares até que houvesse maior transparência.
A PEC 8/2021 restringe o poder de os magistrados derrubarem por decisão monocrática leis aprovadas pelo Congresso. A PEC 28/2024 permite que as decisões do STF possam ser derrubadas pelo Congresso. Um dos PLs classifica como crime de responsabilidade a usurpação de competência do Legislativo ou do Executivo por parte dos ministros do STF. O outro estabelece novas condutas passíveis de impeachment para ministros do Supremo.
PL da Anistia do 8/1
Caroline de Toni escolheu o deputado bolsonarista Rodrigo Valadares (União Brasil-SE) para ser o relator da proposta. Ele apresentou seu parecer em setembro, ampliando o escopo da anistia, mas houve pedido de vistas (mais tempo para análise) em outubro. Só não foi votado na comissão porque na véspera de ser discutido, Lira retirou o texto da pauta e anunciou a criação de uma comissão especial para analisar o tema (o que não ocorreu até o momento).
PL voto impresso
O colegiado aprovou no último dia 11 um projeto que estabelece o voto impresso e a recontagem física do resultado das eleições nas esferas nacional, estadual e municipal. Ele também amplia os poderes de questionamento do resultado das eleições, ao atribuir à administração pública o ônus de comprovar a legalidade dos pleitos.