A 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, promovida entre 29 de setembro e 1º de outubro em Brasília, encerrou com um conjunto de anúncios considerados históricos para a agenda de igualdade de gênero no Brasil. Entre eles, a regulamentação da pensão para filhos de mulheres vítimas de feminicídio, a ampliação da licença-maternidade em casos de internação prolongada de recém-nascidos e o lançamento do Data Mulheres, sistema nacional de informações que busca subsidiar políticas públicas com dados precisos sobre violência e desigualdade.
Em entrevista concedida ao programa Bom Dia, Ministra, na manhã desta quinta-feira (2), a titular da pasta, Márcia Lopes, destacou que o momento é de reconstrução e ampliação de direitos. Ex-vereadora de Londrina e ex-ministra do Desenvolvimento Social, Lopes enfatizou que as conquistas recentes não são “dádivas de governos”, mas resultados de décadas de mobilização dos movimentos de mulheres, que agora ganham novo fôlego.
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Conferência reúne 6 mil participantes
De acordo com a ministra, a 5ª Conferência representou “um marco de retomada da participação social na formulação de políticas para as mulheres”. Mais de 6 mil participantes se reuniram em Brasília, entre representantes da sociedade civil, gestoras estaduais e municipais, lideranças comunitárias e parlamentares.
Entre os debates centrais estiveram o combate à violência de gênero, a participação política das mulheres, a ampliação de direitos trabalhistas e a garantia de políticas intersetoriais em áreas como saúde, educação, assistência social e moradia. Para Lopes, a conferência reafirmou que “não basta a ação do governo federal”. Segundo ela, é essencial que estados e municípios assumam responsabilidade compartilhada.
Pensão para filhos de vítimas de feminicídio
Um dos anúncios mais repercutidos da conferência foi a regulamentação da lei que garante pensão especial de um salário mínimo para filhos de mulheres assassinadas em crimes de feminicídio. A medida, que deve começar a valer ainda este ano, atende crianças e adolescentes até os 18 anos.
“É um direito fundamental, previsto no artigo 6º da Constituição. Trata-se de uma resposta do Estado brasileiro a famílias que enfrentam uma das maiores tragédias possíveis: perder a mãe para a violência. Essa pensão assegura condições mínimas de sobrevivência, continuidade dos estudos e acesso a direitos básicos”, afirmou a ministra.
O pedido será feito pelo sistema Meu INSS e deve ser regulamentado em parceria com o Ministério da Previdência.
Sistema Nacional de Políticas para as Mulheres
Outro eixo estruturante destacado por Márcia Lopes é a implementação de um SNPM (Sistema Nacional de Políticas para as Mulheres), a ser consolidado a partir das diretrizes aprovadas na conferência.
O objetivo é criar uma governança federativa que estabeleça responsabilidades claras de União, estados e municípios, além de garantir mecanismos permanentes de financiamento e monitoramento. “Não podemos depender da boa vontade de cada governo. Precisamos de um sistema que assegure continuidade e universalidade, como acontece com o SUS e o SUAS”, explicou.
Segundo a ministra, o SNPM deve integrar programas de enfrentamento à violência, ações de autonomia econômica, políticas de saúde integral da mulher e iniciativas voltadas para populações específicas, como mulheres do campo, indígenas, quilombolas e ribeirinhas.
Preservar conquistas de direitos
Ao ser questionada sobreos retrocessos recentes e os avanços contra os direitos das mulheres, Márcia Lopes foi enfática. Para ela, a pandemia e os anos de desmonte de políticas públicas impactaram de forma cruel as mulheres, em especial as negras e periféricas.
“De 2016 a 2022 vivemos um período em que programas foram fechados, serviços deixaram de ser ampliados e centros de referência foram abandonados. Foi um retrocesso que atingiu diretamente as mulheres. Agora estamos reconstruindo. Mas o desafio é garantir que os direitos conquistados não fiquem à mercê da alternância de governos”, disse.
A ministra defende a construção de consensos sociais duradouros, que consolidem a agenda de gênero como cláusula pétrea da democracia. “Não podemos votar em homens e mulheres que apoiam a violência contra as mulheres. Precisamos fortalecer a consciência social de que igualdade e proteção são direitos fundamentais, inegociáveis, independentemente de quem esteja no poder”, acrescentou.
Ação coordenada urgente
O tema do feminicídio esteve no centro da entrevista. O Brasil registrou mais de 800 casos somente no primeiro semestre de 2025, segundo dados preliminares. Para Lopes, é “inadmissível” que mulheres ainda sejam mortas por serem mulheres.
Entre as medidas em andamento, a ministra citou a necessidade de campanhas permanentes de conscientização, fortalecimento da rede de acolhimento, ampliação de casas da mulher brasileira e inclusão de conteúdos sobre igualdade de gênero nas escolas. Também defendeu penas mais severas para agressores.
“Não basta reagir após a violência. Precisamos de medidas preventivas e de médio e longo prazo. A mudança cultural é fundamental, mas exige presença firme do Estado”, afirmou.
Mulheres negras, indígenas e trans no centro das políticas
Em resposta sobre como garantir políticas que não se limitem a uma visão universal de mulher, a ministra ressaltou que o compromisso com a interseccionalidade é central.
“Não existe desenvolvimento sem enfrentar o racismo, a transfobia e todas as formas de discriminação. O novo Plano Nacional de Políticas para as Mulheres trará como eixos estruturantes a priorização de mulheres negras, indígenas, trans, com deficiência, do campo e das periferias urbanas. Temos uma dívida social histórica com esses grupos”, disse.
Márcia Lopes também confirmou que o Ministério apoiará financeiramente a Marcha das Mulheres Negras, marcada para 25 de novembro, e anunciou que o Brasil apresentará na COP30 um protocolo internacional de atendimento a mulheres em situações de desastres climáticos, em parceria com a ONU Mulheres.