O garimpo ilegal ainda presente na Terra Indígena Yanomami, a desnutrição e a malária persistentes entre os indígenas foram motivo de cobrança direta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a seus subordinados.
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Documentos oficiais e relatos sobre as reuniões convocadas para discutir a crise no território dão conta da preocupação de ministros com a repercussão negativa das mortes de indígenas e mostram que até a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) foi acionada para tentar auxiliar na logística de entrega de alimentos, dificultada pela falta de apoio das Forças Armadas.
Em duas reuniões interministeriais, em dezembro de 2023 e em janeiro de 2024, Lula enfatizou a falta de efetividade das ações governamentais, segundo pessoas presentes relataram à Folha de S.Paulo sob reserva.
Desde então, agendas entre ministérios se intensificaram e o governo ainda trabalha na construção de um plano de ação para a região, que precisa ser entregue ao STF (Supremo Tribunal Federal) por determinação de seu presidente, Luís Roberto Barroso.
Entre os principais incômodos de Lula, de acordo com os presentes nas reuniões palacianas, estão a desnutrição e a segurança alimentar.
O presidente cobrou de seus auxiliares ações que vão além da entrega de cestas básicas -prejudicada em razão da falta de apoio das Forças Armadas, mostrou reportagem da Folha de S.Paulo-, mas que visem também a recuperação da cultura e da produção dos povos locais.
Afirmou que o governo precisa investir nessa frente inclusive financeiramente -após a reunião, foi anunciado o aporte de mais R$ 1,2 bilhão para a operação- e ressaltou que o dinheiro precisa ser usado com efetividade para a busca de soluções.
A pressão dentro do governo fica evidente, inclusive, nos documentos oficiais sobre a operação Yanomami.
Em um dos relatórios, por exemplo, consta que o ministro Wellington Dias (Desenvolvimento Social) citou diretamente a ordem de Lula para ressaltar que sua gestão precisa dar conta de evitar as mortes de yanomami que têm ocorrido no território.
"[Sua pasta] cumprirá a determinação do presidente em relação aos Yanomami, mas não ficará com esse dado de pessoas morrendo na conta do seu ministério", consta em um dos relatórios.
Até novembro de 2023, já haviam sido registradas 308 mortes no local, mais da metade de crianças de até quatro anos, um patamar pouco inferior às 343 do mesmo período de 2022.
A fala de Dias ocorreu em uma reunião com os ministérios dos Povos Indígenas e do Desenvolvimento Agrário, além da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). O objetivo do encontro era justamente o de debater a insegurança alimentar entre os yanomami.
Ministros envolvidos na operação Yanomami têm citado a questão como uma "missão" dada por Lula, segundo os relatos de interlocutores feitos à Folha de S.Paulo.
Atualmente, Povos Indígenas e Funai trabalham em um mapeamento das necessidades de cada uma das regiões do território. Desenvolvimento Agrário e Desenvolvimento Social atuam para entregar sementes, realizar tratamento de água e criar programas de auxílio aos indígenas.
As pastas já fazem a distribuição de equipamentos para roça e pesca aos yanomami, ação que deve ser intensificada daqui em diante, com objetivo de recuperar a cultura da região e extinguir a necessidade das cestas básicas.
O ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) também lembrou a cobrança presidencial durante essas reuniões, reforçando ainda que o governo vem sofrendo desgaste também externo em razão dos problemas.
"O Presidente Lula montou compromisso com todo o território, e depois de tempo passado das ações em andamento a sociedade irá questionar sobre todo o território e não apenas uma região", diz um relatório, sobre as suas declarações.
A persistência da desnutrição no território também é consequência dos problemas logísticos, visto que a falta de ação das Forças Armadas vem dificultando a entrega das cestas básicas aos yanomami.
Em janeiro deste ano, inclusive, o Ministério dos Povos Indígenas chegou a pedir auxílio das forças de inteligência do governo para o combate ao garimpo e a distribuição dos alimentos.
A pasta pede, por exemplo, mapas de pistas de pouso, estradas e rotas do garimpo. Solicita inclusive à Abin "informações para auxiliar a construção das informações para distribuição de cestas básicas de forma emergencial na TI Yanomami", segundo um dos ofícios.
A desnutrição dentre os yanomami é consequência direta do garimpo ilegal no território. A atividade de extração usa mercúrio, que contamina rios, e, consequentemente, peixes dos quais os yanomami vivem.
O aliciamento de indígenas para atuar na extração ilegal de ouro e a destruição da floresta para a construção dos garimpos contribuem também comprometem o plantio de alimentos.
A presença dos garimpeiros também alastra dentro do território a doença da malária. Os casos dobraram durante os quatro anos de governo Bolsonaro, mostra ainda um relatório.
Outro problema ainda não contornado pela atual gestão é o sucateamento das instalações de atendimento à saúde indígena.
Relatórios revelados pela Folha de S.Paulo no início de 2023 mostram postos de saúde com remédios vencidos, seringas orais reutilizadas indevidamente e fezes espalhadas em unidades de atendimento, além de constatar casos de desvio de comida e medicamentos.
Os ministros citados no texto foram procurados, mas não houve resposta até a conclusão desta reportagem.
Em uma de suas primeiras ações de governo, no início de 2023, Lula visitou a Terra Indígena Yanomami e decretou estado de emergência sanitária na região.
Pôs em prática um plano para expulsão do garimpo, mas que, um ano depois do início das operações, não deu conta da missão, tampouco acabou com a desnutrição ou a malária entre os indígenas e também não reconstruiu as estruturas de atendimento em saúde.
A insatisfação com as Forças Armadas também persiste após um ano de gestão petista. A falta de empenho militar, por exemplo, comprometeu a entrega de 34 mil cestas básicas.
A Aeronáutica não conseguiu controlar todo o espaço aéreo do território, e o garimpo ilegal sobrevive, alimentado pelas rotas aéreas de suprimentos, em parte vindas da Venezuela.
Recentemente, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) acionou o STF em razão da atuação militar e da falta de resultados da operação do governo federal.