A decisão de André Mendonça que estabeleceu um prazo para a renegociação de acordos de leniência ajudou a amenizar o clima de incômodo no STF (Supremo Tribunal Federal) iniciado a partir das determinações do ministro Dias Toffoli que beneficiaram a J&F e a Novonor (antiga Odebrecht).
Mendonça criou, no último dia 26, uma mesa de conciliação entre órgãos públicos e empresas que firmaram esses acordos no âmbito da Operação Lava Jato e de seus desdobramentos.
Com isso, ele retomou o controle das discussões sobre a validade das leniências e abriu caminho para que eventuais julgamentos sobre o tema aconteçam no plenário do Supremo, composto pelos 11 ministros da corte.
Desde março do ano passado, Mendonça é relator de uma ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) que questiona a legalidade dos acordos.
A apresentação desse tipo de ação é restrita a algumas autoridades, entidades e a partidos políticos. Nesse caso, ela foi proposta pelo PSOL, pelo PC do B e pelo Solidariedade, que foram representados por integrantes do escritório de advocacia de Walfrido Warde, conhecido pelos posicionamentos críticos aos métodos da operação.
A ação é ampla e diz que as leniências foram firmadas antes do acordo de cooperação técnica que sistematizou as regras para o procedimento e, por isso, seriam ilícitas.
No fim de dezembro, porém, Toffoli decidiu em outra ação suspender o pagamento do acordo de leniência da J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista. O valor total dessa multa é de R$ 10,3 bilhões.
O processo é relacionado às conversas hackeadas de integrantes da Lava Jato, obtidas pela Polícia Federal na Operação Spoofing.
Em sua decisão, Toffoli apontou suspeitas, a partir do material obtido pela Spoofing, de que "teria havido conluio entre o juízo processante e o órgão de acusação para elaboração de cenário jurídico-processual-investigativo que conduzisse os investigados à adoção de medidas que melhor conviesse a tais órgãos, e não à defesa em si".
No fim de janeiro, sob o mesmo argumento, Toffoli estendeu sua decisão e suspendeu também a multa do acordo de leniência da antiga Odebrecht.
O ministro vinha trabalhando para que eventuais recursos fossem levados apenas à Segunda Turma do Supremo, composta por cinco ministros e tradicionalmente de maioria contrária à Lava Jato.
As decisões de Toffoli incomodaram uma ala do Supremo, que, sob reserva, manifestou insatisfação com a repercussão negativa e com os argumentos que ele deu para suspender as multas -de que os acordos de leniência foram firmados em ambientes de coação.
Mas a determinação de Mendonça, que no último dia 26 fixou um prazo de 60 dias para que haja um consenso entre órgãos públicos e empresas, pôs panos quentes nesse atrito.
Ele estabeleceu que durante esse período está suspensa qualquer multa em razão de eventual descumprimento das empresas das obrigações financeiras pactuadas.
Mendonça afirmou que o objetivo é assegurar que as empresas negociem com os entes públicos com base nos princípios da boa-fé, da mútua colaboração, da confidencialidade, da razoabilidade e da proporcionalidade.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, disse que concorda com a abertura do diálogo, assim como o presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Bruno Dantas.
A conciliação coloca frente a frente o Ministério Público Federal e órgãos como a AGU (Advocacia-Geral da União) e CGU (Controladoria-Geral da União) e empresas como a própria Novonor e a J&F, mas também a Metha (antiga OAS), a Camargo Corrêa, a Engevix, a Braskem, a Samsung Heavy Industries e outras companhias que reconheceram terem cometido ilicitudes.
Acordo de leniência é uma espécie de delação premiada das empresas. Elas reconhecem desvios em contratos com o setor público e se comprometem a ressarcir o prejuízo em troca de continuar com contratos públicos.
Ao anunciar a abertura da mesa de negociação, Mendonça defendeu os acordos de leniência como instrumento de combate à corrupção e afirmou que a conciliação não servirá para que seja feito "revisionismo histórico".
Para parte do Supremo, a decisão de Mendonça possibilita que as empresas possam negociar uma extensão no prazo de pagamento da multa ou até descontos, mas evita que os acordos sejam anulados.
A decisão do ministro teve oposição de entidades de combate à corrupção. Elas temem que, ao contrário do que disse Mendonça, a conciliação sirva como um revisionismo da Lava Jato, e que as vítimas de práticas corruptas das empresas sejam prejudicadas.
Parte dos integrantes do Supremo já tem sinalizado que, quando o tema das leniências chegar ao plenário, deve haver fortes discussões.
Na última terça-feira (27), o decano da corte, Gilmar Mendes, fez uma longa manifestação crítica à Lava Jato na sessão da Segunda Turma e disse que o assunto tem "encontro marcado" com o plenário.
Segundo ele, as renegociações trarão à tona "revelações assombrosas" a respeito de como foram celebrados os acordos.
O relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, afirmou que antes de qualquer acordo ser fechado as empresas eram questionadas sobre a voluntariedade e que, "em todos os atos, os colaboradores estavam devidamente acompanhados e orientados por seus respectivos advogados".