Após mais de seis horas de sessão, os vereadores de Londrina aprovaram nesta quarta-feira (9) o PL (Projeto de Lei) 204/2025, que estabelece a possibilidade de acúmulo salarial para secretários do município. O tema vinha sendo debatido no PL 52/2025, que trata da atualização do Estatuto dos Servidores, mas a estratégia do prefeito Tiago Amaral (PSD) foi protocolar um novo texto, exclusivo sobre a gratificação.
A discussão começou efetivamente por volta das 19h30, após uma série de suspensões. A sessão foi marcada por instabilidades na internet da CML (Câmara Municipal de Londrina), que comprometeram a transmissão ao vivo, e por protestos nas galerias.
Votaram a favor do projeto: Anne Moraes (PL), Antônio Amaral (PSD), Giovani Mattos (PSD), Chavão (Republicanos), Deivid Wisley (Republicanos), Emanoel (Republicanos), Marcelo Oguido (PL), Marinho (PL), Matheus Thum (PP), Mestre Madureira (PP), Flávia Cabral (PP), Régis Choucino (PP), Sídnei Matias (Avante) e Valdir Santa Fé (PP). Foram contrários Paula Vicente (PT) e Roberto Fú (PL). Michele Thomazinho (PL) e Jessicão (PP) estão licenciadas. Santão (PL) não votou.
Durante a tarde, servidores da saúde exibiram faixas em apoio à secretária Vivian Feijó, defendendo que a proposta representa uma “complementação salarial” após sua saída do HU (Hospital Universitário), onde era superintendente. Também elogiaram sua atuação na pasta da Saúde. Em contrapartida, movimentos anticorrupção protestaram contra o projeto.
O secretário da Fazenda, Eder Pires, foi ao Legislativo para defender a proposta. Segundo ele, o acúmulo salarial ocorre em outros poderes e municípios, e não configura supersalários, pois os valores respeitam o teto constitucional. “Para as finanças do município de Londrina, o que temos é economia. Não estamos falando em aumento de gastos, mas em redução”, afirmou.
Sobre a votação em menos de 24 horas após o protocolo — o texto chegou à CML na tarde de terça-feira (8) —, a líder do governo na Câmara, vereadora Flávia Cabral (PP), justificou que o tema já vinha sendo debatido desde março no âmbito do PL 52/2025. “A opção do Executivo de apresentar o projeto de forma separada foi para dar transparência e segurança, para que não tivéssemos que discutir no afogadilho com outras matérias”, declarou. Ao atender a imprensa, Cabral afirmou que o resultado demonstra que o prefeito tem força “dentro do planejamento de Londrina”. “Mostra que temos uma preocupação real com o desenvolvimento de Londrina.”
Já a vereadora Paula Vicente (PT) avaliou que a aprovação mostra articulação política do prefeito, que, segundo ela, vinha faltando nos últimos meses. “Eu sempre me coloquei como oposição a esse projeto, porque entendo que a valorização do servidor começa pelo servidor da ponta — aquele que está na escola, no posto de saúde. Enquanto não valorizarmos de fato o servidor público, não adianta valorizar apenas o alto escalão”, declarou.
O projeto autoriza que servidores efetivos cedidos à Prefeitura para exercer cargos comissionados recebam a remuneração de origem e uma gratificação de até 90% do salário do cargo municipal, desde que o valor total respeite o teto constitucional. A principal mudança em relação ao PL 52 é que o ônus da cessão será de responsabilidade do órgão de origem — como o governo do Estado, por exemplo.
Dois secretários que se enquadram nessa situação são Vivian Feijó (Saúde) e Leonardo Carneiro (Gestão Pública e RH), que já vinham recebendo os valores de forma cumulativa, mas tiveram os pagamentos suspensos por recomendação do MPPR (Ministério Público do Paraná). Em valores brutos, Feijó tem salário de R$ 21,5 mil do Estado e deve receber cerca de R$ 11 mil do município. Carneiro tem salário de R$ 31,1 mil do governo estadual e de aproximadamente R$ 10 mil da Prefeitura. Em ambos os casos, há aplicação de redutores constitucionais.
PARECERES
Assim como já havia ocorrido com o PL 52, o parecer jurídico da Procuradoria Legislativa foi contrário à possibilidade de pagamento de gratificação para secretários — prática considerada inconstitucional, uma vez que a remuneração do secretariado deve ser fixada por meio de subsídio, em parcela única. A recomendação do setor jurídico foi a exclusão dos secretários do projeto de lei.
“O texto constitucional é claro ao limitar o pagamento do cargo de secretário ao subsídio, excluindo qualquer outra forma de remuneração”, diz o parecer, que também aponta a impossibilidade de pagamento de gratificação a servidores cedidos.
No mérito, o parecer técnico da CML pontuou que, diante da complexidade do tema, o ideal seria que o PL não tramitasse em urgência.
Análise
À FOLHA, o analista político e professor da UEL (Universidade Estadual de Londrina) Elve Cenci ressaltou que o Legislativo deveria exigir mais tempo para analisar os projetos encaminhados pela Prefeitura.
“No caso dos salários, é uma matéria sobre a qual o vereador poderia, por exemplo, querer mais informações. Como envolve salários e dinheiro público, seria natural que o Legislativo tivesse interesse em ouvir o que a sociedade tem a dizer, dialogar com as pessoas — e me parece que não foi isso que aconteceu. Ou seja, não houve discussão nem tempo hábil para qualquer diálogo com a sociedade”, afirma.
Cenci avalia que os vereadores poderiam ter exigido mais tempo para se debruçar sobre a proposta. “Para o Executivo, talvez seja apenas uma formalização para manter os secretários e não perdê-los, regularizando uma situação que causa preocupação. Mas esse interesse não pode atropelar o Legislativo. A Câmara não deve se submeter ao Executivo nem aos seus prazos exíguos ou já expirados para regularizar situações que deveriam ser discutidas ao longo de um semestre.”
Críticas
O presidente do OGPL (Observatório de Gestão Pública de Londrina), Roger Trigueiros, reconheceu "bom senso" do Executivo ao retirar o acúmulo salarial do PL 52, mas afirmou que o novo texto continua sendo um “retrocesso legislativo” e um “absurdo”. A entidade aponta que a proposta fere os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Trigueiros também criticou a forma como a matéria vem sendo conduzida na CML (Câmara Municipal de Londrina).
“É um retrocesso. A administração, novamente, não quer ouvir a sociedade — o que, na nossa avaliação, é um absurdo”, afirmou.
Entidades
Procurada pela FOLHA, a SRP (Sociedade Rural do Paraná) divulgou nota afirmando que, “embora a proposta busque atender ao princípio da economicidade e à valorização da função pública, é fundamental que se mantenha o compromisso com a responsabilidade fiscal e com a prevenção de eventuais distorções salariais no serviço público”.
“A SRP defende que qualquer forma de acúmulo de remuneração, especialmente quando financiada total ou parcialmente com recursos municipais, seja tratada com máxima cautela, transparência e rigor técnico”, completa o texto.
Em nota, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Londrina afirmou que, mesmo com as mudanças, o PL 204 continua sendo inconstitucional.
“Isto porque, segundo a Constituição e o parecer do TCE-PR, a sistemática de cumulação apresentada pela municipalidade imporia o ônus integral da remuneração do cargo efetivo ao ente cessionário. Tal condição, por si só, representa uma violação direta ao princípio constitucional da eficiência, bem como à Lei de Responsabilidade Fiscal”, diz em nota a OAB.
A entidade ainda pontua que haveria violação ao prever uma remuneração cumulativa “desproporcional à contraprestação de uma única função, o que caminha na contramão da eficiência pública”.
“Soma-se a isso a perpetuação da ausência de um estudo de impacto financeiro no orçamento municipal, omissão esta que, por si, já compromete a legalidade e a aprovação deste ponto específico da proposta. Ademais, o fato de encaminhar com urgência o pedido restringe a possibilidade de estudo do impacto orçamentário e da inconstitucionalidade. Mais ainda, impede a sociedade de debater sobre o tema”, completa a nota.
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