Órgão-chave nas investigações contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a Corregedoria da Receita Federal pode ter em seu comando um simpatizante da família do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Após uma vacância de seis meses, o governo avalia nomear para a função o auditor-fiscal João José Tafner. Ele participou de atos de campanha bolsonarista em 2018 e chegou a posar para fotos ao lado do então candidato a deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) usando camisa da seleção brasileira e adesivo de um outro candidato do PSL.
Entre membros da Receita ouvidos pela reportagem, Tafner é visto como um entusiasta do governo e sua escolha para o cargo é dada como certa. Conforme os relatos, ele não tem passagens anteriores pela Corregedoria e, por isso, seu perfil é considerado não usual para chefiar o órgão.
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Tafner é formado em análise de sistemas e ciências jurídicas e auditor da Receita desde 2002, onde teve cargos como o de Chefe da Divisão de Segurança e Controle Aduaneiro. Em 2021, foi diretor financeiro na Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), empresa federal vinculada ao Ministério da Economia.
Ele pode ser escolhido para o posto pouco mais de um mês após uma mudança no comando da Receita Federal. O ministro Paulo Guedes (Economia) demitiu em dezembro o então secretário especial José Barroso Tostes Neto.
A versão do Ministério da Economia é que Tostes saiu do cargo devido ao fim do ciclo de discussões da reforma tributária, mas membros do próprio governo afirmam à reportagem que a troca no comando da Receita ocorreu pelas pressões da família do presidente.
De acordo com relatos, o substituto de Tostes no comando da Receita, Julio Cesar Vieira Gomes, foi escolhido por Guedes após uma única entrevista –sem que outros candidatos fossem ouvidos.
A família Bolsonaro tenta pelo menos desde meados do ano passado emplacar um nome de preferência na Corregedoria da Receita.
Conforme publicou o jornal Folha de S.Paulo, Flávio buscava destravar uma de suas teses defensivas para anular a origem da investigação do caso da "rachadinha".
O filho de Bolsonaro queria a nomeação do auditor fiscal aposentado Dagoberto da Silva Lemos, nome que enfrentava resistência inclusive no corpo técnico da Receita Federal. Tostes Neto indicou o auditor Guilherme Bibiani para o cargo, mas a nomeação nunca foi efetivada.
Diante das resistências, negociações passaram a ser feitas para que um terceiro nome fosse escolhido. O posto continua vago desde julho -quando encerrou o mandato de três anos do antigo corregedor, José Pereira de Barros Neto.
Em nota, Flávio Bolsonaro disse que não indicou nem tem influência ou interesse nessa nomeação.
"Sequer o conheço ou vi na vida. A Justiça, inclusive, já decidiu sobre as ilegalidades cometidas contra mim e não há mais nada a dizer sobre o tema. Espero que quem quer que seja nomeado para o cargo cumpra suas funções dentro da lei e com a máxima eficiência possível."
A reportagem não conseguiu falar com Eduardo Bolsonaro nem Tafner.
Em 2018, Tafner aparece em fotos de eventos da campanha bolsonarista ao lado de Eduardo, de Marcos Pontes, hoje ministro da Ciência e Tecnologia, e do então candidato a deputado federal pelo PSL Marcus Dantas.
No perfil de Dantas nas redes sociais, a foto dele ao lado de Tafner e Eduardo traz o seguinte texto: "Muito obrigado Jaguariúna-SP pelo acolhimento fraternal. Evento maravilhoso em apoio ao nosso futuro presidente Bolsonaro. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos."
Tafner também a aprece próximo a Flávio em uma foto com várias pessoas no evento de posse da diretoria do Sindifisco (sindicato dos auditores da Receita), em 2019.
A Corregedoria é um órgão-chave para Flávio porque ele quer emplacar a tese que teve seus dados fiscais acessados irregularmente. É dela a atribuição de apurar –e, eventualmente, divulgar– as ilegalidades apontadas pelos advogados de Flávio supostamente cometidas por auditores fiscais.
Desde 2020, os advogados do senador alegam que seu cliente teve os dados fiscais acessados ilegalmente para fornecer informações ao relatório do Coaf, órgão de inteligência financeira que apontou as movimentações suspeitas de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.
O documento do Coaf é o pivô da apuração do caso das "rachadinhas", que levou à denúncia contra Flávio sob acusação de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro no fim do ano passado.
Atualmente, a acusação está fragilizada em razão de anulação das quebras de sigilo bancário e fiscal da investigação pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O relatório do Coaf, porém, pode ser usado para reabrir a apuração. Sua eventual anulação pelas ilegalidades apontadas impediria o prosseguimento do caso, avalia a defesa do senador.
Os advogados de Flávio acionaram em 2020 a Receita, o Serpro (empresa estatal que detém os dados do Fisco) e até a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para identificar as supostas irregularidades.
A Corregedoria da Receita realizou uma apuração especial para identificar os acessos aos dados de Flávio e de todo o entorno do presidente.