O apoio que o ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) tinha no núcleo militar do Palácio do Planalto para continuar no cargo perdeu força na noite de domingo (13).
O tom adotado pelo auxiliar presidencial em entrevista à TV Globo foi avaliado pela cúpula fardada como uma provocação desnecessária ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que atrapalha o esforço de se evitar uma troca no comando do Ministério da Saúde em meio à pandemia do coronavírus.
Na entrevista, Mandetta disse que o brasileiro não sabe se escuta ele ou o presidente sobre como se comportar durante a crise de saúde e alertou que os meses de maio e junho serão os mais duros.
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Mandetta também criticou aglomerações em padarias. Na quinta-feira (9), novamente ignorando as recomendações de isolamento social, Bolsonaro entrou em uma padaria de Brasília, onde posou para fotos e cumprimetou apoiadores.
Para militares do governo, Mandetta fez um confronto público com Bolsonaro, não obedecendo à hierarquia do cargo, e reascendeu um conflito que havia diminuído de temperatura no final da última semana.
Na segunda-feira passada, o presidente, que já avaliava demitir o ministro após o pico da pandemia, considerou antecipar a decisão. Ele foi, no entanto, convencido pelo núcleo militar a aguardar até junho, para não piorar a crise de saúde.
A avaliação agora no Planalto é a de que Mandetta desprezou o esforço da cúpula fardada e está preocupado neste momento apenas com a sua imagem pública, em uma eventual tentativa de se candidatar a governador de Mato Grosso do Sul em 2022.
Apesar do incômodo com a postura do ministro, Bolsonaro indicou na noite de domingo (12) que não pretende afastar Mandetta do cargo neste momento. O presidente não quer correr o risco de ser responsabilizado sozinho caso o sistema de saúde entre em colapso.
A repercussão negativa da entrevista de Mandetta também criou desconforto no Ministério da Saúde. Nesta segunda-feira, ele evitou aparições públicas e não compareceu à entrevista que tem sido realizada diariamente no Palácio do Planalto para apresentar atualizações no cenário do coronavírus no país. Segundo aliados do ministro, ele submergiu para não ampliar o desgaste.
A ausência de Mandetta, cuja participação era prevista, não foi justificada e gerou estranheza inclusive entre outros integrantes da equipe ministerial, como Sergio Moro (Justiça), que compareceu à coletiva de jornalistas.
Os técnicos do Ministério da Saúde disseram, sem detalhes, que o ministro estava em uma reunião e tentaria chegar a tempo. Aliados de Mandetta reconhecem que a postura adotada por ele foi equivocada e defendem que ele evite novos confrontos.
Segundo assessores palacianos, no final da tarde de domingo (12) o presidente foi informado que Mandetta havia concedido uma entrevista à Rede Globo naquela tarde. Segundo relatos feito à reportagem, ele assistiu ao conteúdo no Palácio da Alvorada e, para a surpresa de aliados, minimizou as declarações, avaliando que não foram graves.
Nesta segunda-feira (13), questionado por jornalistas sobre a entrevista, o presidente disse que não assiste à Rede Globo e não quis comentar as declarações do auxiliar presidencial.
A relação entre Bolsonaro e Mandetta nunca foi próxima, sempre foi protocolar. O ministro foi indicado ao cargo pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), aliado de primeira hora do presidente, mas hoje rompido.
Pela falta de afinidade de ambos, Bolsonaro chegou a cogitar a sua substituição em setembro, mas desistiu ao constatar que ele tinha amplo apoio junto ao setor da saúde.
No início da pandemia do coronavírus, o presidente se queixou ao ministro de que ele deveria defender mais o governo e o repreendeu por ter participado de uma entrevista ao lado do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário político de Bolsonaro.
Mandetta modulou sua retórica e passou a pregar a importância de a atividade econômica não parar. Ele, no entanto, não se dobrou à pressão do presidente contra a medida de isolamento social, o que iniciou o embate entre ambos.
A crise com Mandetta abalou Bolsonaro. Segundo assessores presidenciais, pela primeira vez desde que assumiu o cargo, o presidente receou estar perdendo capital político ao constatar que parte da base bolsonarista nas redes sociais apoia o ministro.
De acordo com um aliado do presidente, preocupada com o marido, a primeira-dama Michelle Bolsonaro chegou a recomendar ao presidente que diminuísse o ritmo da agenda política para evitar um quadro de estresse.
Mandetta confronta após 'fico' no ministério
Enquadramento
Um dia depois de ameaçar "usar a caneta" contra ministros que "viraram estrelas", Bolsonaro foi questionado por Mandetta sobre o motivo pelo qual não o demitia. A pergunta foi feita em reunião com outros ministros na segunda-feira passada (6). O presidente teria ficado em silêncio.
Ministros militares, em parte responsáveis por demover Bolsonaro da ideia de exonerar o ministro da Saúde, tentaram contornar a situação. Mandetta também questionou o motivo de sua nomeação, já que o presidente não o ouvia.
Recados em discurso
Após um dia inteiro de indefinição por parte do governo, naquela mesma segunda-feira (6) Mandetta anunciou que ficaria na pasta de Saúde. E deu alguns recados a Bolsonaro.
Em pelo menos dois trechos de seu pronunciamento, ele falou insistentemente no respeito à ciência, além de ter citado O Mito da Caverna, alegoria usada para ilustrar o conflito entre a ignorância e o conhecimento.
O ministro reclamou de "mais um solavanco" durante o seu trabalho e apoiou as medidas dos governadores, que se tornaram os antagonistas do presidente na crise de saúde.
Crítica ao presidente em Goiás
Neste último sábado (11), após Bolsonaro se aglomerar com apoiadores em Águas Lindas de Goiás, Mandetta, que também estava na cidade e observou a multidão à distância, criticou o presidente.
"Posso recomendar, não posso viver a vida das pessoas. Pessoas que fazem uma atitude dessas hoje daqui a pouco vão ser as mesmas que vão estar lamentando", afirmou.
Entrevista para o Fantástico
Em entrevista neste domingo (12) para o programa Fantástico, da TV Globo, Mandetta disse que brasileiro "não sabe se escuta o ministro da saúde, se escuta o presidente, quem é que ele escuta".
"Espero que essa validação dos diferentes modelos de enfrentamento dessa situação possa ser comum e que a gente possa ter uma fala única, uma fala unificada. Porque isso leva para o brasileiro uma dubiedade", afirmou.