Polo de referência para atendimento psiquiátrico emergencial em Londrina, o CAPS III (Centro de Atenção Psicossocial), localizado no Alto da Boa Vista (Zona Norte), enfrenta graves problemas estruturais e de atendimento. O Portal Bonde esteve nesta terça-feira (11) na unidade e conferiu de perto as demandas, que vão de paredes rachadas e sem pintura a banheiros interditados. Além da estrutura, usuários também reclamam da demora no atendimento.
Frequentadora do CAPS há mais de 20 anos, Irene Tártaro, 60, diz que a estrutura “vem piorando de uns tempos pra cá”. “Minha amiga até falou que precisam pintar as paredes, porque o pessoal chega aqui e vê esse negócio feio. O banheiro também é feio. Há horas que aquilo fede que não dá nem para passar na frente”, relata.
Segundo ela, toda vez que precisa ir ao local, são pelo menos quatro horas de espera até ser atendida. “Sempre está lotado, em qualquer horário. O atendimento não é ruim, mas falta manutenção, cuidado e principalmente médicos. Tinha que ser mais preservado também."
'Meu filho vai embora sem receita'
A beneficiária do BPC (Benefício de Prestação Continuada) Leila Almeida, 54, é usuária do CAPS há 15 anos. Para ela, o principal problema é o tratamento "ríspido" dado pelos funcionários ao serem questionados sobre a demora no atendimento.
“Muitos não atendem bem. Eu mesma sempre brigo quando venho aqui, porque eles não estão falando com uma pessoa normal”, diz, relatando que chegou por volta das 11h, resultando em pouco mais de três horas de espera.
Almeida conta que, em algumas situações, o próprio filho, diagnosticado com esquizofrenia grave, desiste de esperar e vai embora sem pegar os remédios que precisa. “Ele fica sem medicação, porque não aguenta esperar. Já teve um surto por causa disso”, conta.
Mesmo enfatizando o atendimento humano como a principal demanda a ser resolvida, ela destaca que a estrutura do CAPS III é precária e precisa ser revista "urgentemente". “Esses dias o banheiro estava vazando água, estava igual ao Titanic. Eu até brinquei e perguntei onde estava o nosso navio", relembra, aos risos.
Com os dois banheiros interditados por causa do vazamento, as pessoas que esperam na área de pré-atendimento precisam - para usar o reservado - cruzar uma porta que separa os pacientes mais graves que a unidade acomoda. "Além dessa demora toda, ainda temos que passar pela porta. Atrás dela, fica o pátio onde estão as pessoas que fazem os tratamentos mais rigorosos. Tenho medo de entrar."
'Já passei o dia aqui esperando'
O auxiliar de usina Paulo Andrade, 35, trata a dependência química em drogas no CAPS III. Ele diz que, embora o atendimento seja bom, a espera é excessiva.
“Já faz quase três horas que estou aqui e nada. Tivemos que comer um pastel na esquina, porque não almoçamos. E está até rápido, porque já passei o dia aqui esperando”, afirma.
Reforma e ampliação previstas
A diretora de Serviços Complementares de Saúde de Londrina, Claudia Denise, reconhece os problemas na unidade do CAPS na Zona Norte e diz que uma reforma ampla está prevista para os próximos meses. Nesta terça-feira, enquanto a reportagem estava no local, havia um trabalhador pintando a fachada e as paredes internas do prédio.
“A gente está fazendo manutenção para resolver alguns problemas de infiltração e desgaste nos banheiros. Já temos projeto e está vindo um recurso de R$ 7 milhões do Governo do Paraná para a reforma completa do prédio”, conta.
Segundo ela, o investimento prevê melhorias hidráulica, elétrica, climatização, troca de pisos, ampliação de leitos e do mobiliário, além de readequação do fluxo interno.
Claudia salienta que, apesar dos banheiros estarem interditados na sala de espera, há outros quatro na área interna que podem ser usados por todos que necessitarem.
"Internamente, passando a primeira porta de entrada, há um pátio e mais quatro banheiros internos, todos reformados. O pessoal de fora pode acessar tranquilamente dentro. Não existe nenhuma proibição. A gente só fez aquela porta pelo tipo de usuário que fica do lado de dentro. Em alguns momentos, as pessoas têm risco de fuga, é um cuidado maior."
As demandas surgem em excesso no local, segundo ela, também pela falta de cuidados básicos de quem usa. "As pessoas que chegam ali às vezes estão um pouco desorganizadas. Jogam o rolo de papel higiênico no vaso, o que dificulta um pouco. Não é maldade delas, porque são questões mentais", pontua.
Pronto-atendimento psiquiátrico
A diretora explica, ainda, que o CAPS III funciona como pronto-atendimento psiquiátrico, o que torna o fluxo mais lento. “A psiquiatria não é um atendimento rápido. Cada consulta dura em média 40 minutos, porque é preciso conversar com o paciente. Muitas vezes a pessoa chega em crise, chora, e o profissional precisa acolher”, diz.
Claudia reconhece a escassez de psiquiatras na rede pública. Segundo ela, o último concurso público feito pelo município não foi capaz de recompor os médicos da unidade. “No último concurso, cinco profissionais foram chamados, mas nenhum aceitou. O mercado privado acaba absorvendo todos. Precisamos de mais médicos e melhor a remuneração.”
A expectativa, segundo ela, é continuar o atendimento atual em 2026, com dois médicos por período. "Para o próximo ano, queremos manter dois profissionais por período, porque médicos especialistas nessa área não são fáceis de serem encontrados."