Há 53 anos, Marlene Fulchini Petrachin virou tia Marlene, motorista de transporte escolar que tocou o coração de milhares de crianças e pais ao longo de cinco décadas. Aos 84 anos, ela faleceu nesta segunda-feira (1º), com o velório no Parque das Oliveiras na terça (02) cheio de familiares, amigos, ex-passageiros e coroas de flores.
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A história da pioneira no transporte escolar londrinense começou em 1972, após seu marido falecer em um acidente de carro. Antes costureira, largou o trabalho manual e teve que aprender a dirigir para levar os filhos à escola. Com o apoio da direção do Ilece (Instituto Londrinense de Educação para Crianças Excepcionais) e do Iles (Instituição de Educação de Surdos), onde três dos quatro filhos estudavam, ela comprou uma carroceria Rural Willys e passou a transportar outros alunos, montando um negócio.
O veículo foi trocado por uma kombi e depois foram adquiridos vans e micro-ônibus conforme a clientela crescia. Em entrevista à FOLHA em 2007, Marlene contou que transportava os filhos de seus antigos estudantes, que sempre recordavam dela com carinho. ''Um dia, no mercado, um homem me deu um abraço e me pegou no colo, disse que eu tinha levado ele da 1ª à 5ª série, que casou e agora é advogado. Teve também gente que transportei e, anos depois, quando eu achava que a pessoa nem se lembrava mais de mim, me mandou o convite da sua formatura'', disse na época.

Encontro de gerações
Os cursos de mecânica por correspondência, direção defensiva, primeiros socorros e transporte de passageiros e cargas perigosas capacitaram a motorista na criação da Tia Marlene Transporte Escolar. Nos últimos 20 anos, ela ganhou a companhia de familiares na empresa, com destaque para a filha Elaine, que é monitora, o cunhado e o neto.
Apontando para um painel de fotos na sala em que Marlene era velada nesta terça, Elaine contou que a mãe teve “um histórico muito bonito de vida”. “Ela foi evoluindo e dirigiu até agora, sexta-feira (28) ela trabalhou, e hoje eu vi aqui um desfile de gerações de Tia Marlene. Tinha duas crianças da primeira geração, duas pessoas com mais de 60 anos que ela levou. Uma família que ela levou os avós, os filhos e está levando os netos agora”, contou a filha. Marlene Petrachin foi sepultada no Cemitério São Paulo nesta terça.

Mãe de 28 crianças
Um dos irmãos de Marlene era surdo e estudava no Iles, e por conta do amor pelas crianças e a amizade que mantinha com as freiras, ela foi “ganhando” filhos ao longo dos anos. “Passaram na nossa casa 24 crianças surdas que não tinham dinheiro para pagar pensão em Londrina, e ela levava para lá. Chegou a ter oito de uma vez, fora outras pessoas que foram chegando, ficando, ela foi cuidando e hoje fazem parte da família. Ela é uma pessoa muito especial”, disse a filha.
Marlene integrava o Coral Santa Cecília, da Catedral Metropolitana de Londrina, há quase 50 anos. Durante o velório, os companheiros entoaram a música “A barca”, atendendo a um pedido antigo da motorista. “Ela sempre pediu que cantasse ‘A barca’ no velório dela, que fala ‘eu vou deixar o meu barco na praia, vou seguir para outros mares’. E hoje ela está fazendo isso, ela deixou o barquinho dela na praia e está seguindo para outros mares”, comparou Elaine.

Famílias impactadas
A geração mais recente impactada pelo trabalho de Marlene é a de Mateus Aranha, aluno de 5 anos de uma escola municipal. O menino foi ao velório junto com a mãe, Daniele, e o pai, João Vitor, por conta da relação próxima que mantinha com a motorista.
“Ela levou minha filha (para a escola) bastante tempo, e agora ele também. Ele amava muito ela, falava dela um monte, eu não tenho nem palavras para falar”, relatou a mãe, emocionada. Já Mateus disse que “gostava que a tia Marlene me buscava em casa e levava para a escola, ela era muito legal”.
