Londrina

'É discriminatória', diz OAB sobre lei de Londrina que proíbe crianças na Parada LGBT+

14 nov 2025 às 17:51

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Londrina definiu como "discriminatória e censura" a Lei Municipal nº 13.816/2024 - proposta pela vereadora Jessicão (PP) e sancionada de maneira tácita pela Prefeitura de Londrina -, que proíbe a participação de crianças e adolescente na Parada do Orgulho LGBTQIAPN+, sob pena de multa de R$ 10 mil por hora. O evento acontecerá no dia 30 de novembro, no Centro Social Urbano da Vila Portuguesa, em Londrina.


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De acordo com advogado Pedro Augusto Vantroba, conselheiro da OAB no município, a lei apresenta diversos vícios de formalidade e, por isso, foi alvo de uma liminar no TJPR (Tribunal de Justiça do Paraná) para que seja derrubada antes que o evento ocorra.


Vantroba explica que o questionamento da OAB sobre a lei não se concentra no tema, mas sim na legalidade e na relação com as Constituições Estadual e Federal. “O questionamento da OAB nunca é sobre o tema de que se trata a lei, mas da regularidade legal dela, em relação às Constituições Estadual e Federal. As leis municipais podem ferir tanto as leis do estado quanto às da União. Nesse caso, há ferimentos nas duas”, afirma.


Vício formal


Um dos principais argumentos da OAB é o vício formal, ou seja, a lei ter sido proposta pelo Poder Legislativo, e não pelo Executivo. “Ela estabelece critérios de punição para quem a descumpre, mas são obrigações do Poder Executivo, como os meios de fiscalização e aplicação da multa, por exemplo."


Outro ponto levantado é a usurpação de competência legislativa, já que a lei municipal invade a esfera de proteção à criança e ao adolescente, predominantemente federal e estadual. 


“É uma usurpação da competência de legislar sobre as questões de proteção à criança e ao adolescente, que não cabe ao município. A lei maior sobre o assunto é o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], que é federal, mas o Paraná também tem leis sobre isso”, explica o conselheiro. Ele diz que Londrina seria uma "ilha" dentro do país com a efetivação da lei. “Teria vigência dentro de Londrina, mas em Cambé seria diferente, por isso é um vício. Cria uma ilha dentro do Brasil.”


Discriminação e censura prévia


Para a OAB, a parte central da inconstitucionalidade da lei está em sua natureza discriminatória e de censura prévia. De acordo com Vantroba, não há critérios para definir a Parada LGBT+ como imprópria. “A visão da OAB não é que seja uma censura a determinado movimento, mas é uma tentativa de censura prévia a direitos genéricos de todo cidadão brasileiro. A lei está discriminando determinado grupo, porque diz expressamente que vai haver multa se o menor participar da parada, com a justificativa que é um ambiente impróprio, mas sem dizer o motivo que respalde isso”, argumenta.


Ele cita exemplos de outras situações que são ignoradas pela lei municipal, mas que poderiam se encaixar nos critérios definidos. “Por exemplo, vamos supor que existisse uma lei que proibisse crianças em cultos evangélicos, porque se entende que em igrejas evangélicas há uma doutrinação com relação às crianças sobre a forma de pensamento religioso. Isso também seria uma discriminação”, compara. Ele cita também shows de música sertaneja, que frequentemente contêm letras de cunho sexual.


O conselheiro reforça que a lei viola direitos fundamentais, como a liberdade de associação e o direito de ir e vir da família. “A Constituição Federal prevê o livre direito de união e associação. Quando uma lei veda isso, é inconstitucional”, garante.


Família teme represália


Francisco Maziero, 47 anos, é casado há 21 anos e adotou um menino de 8 há cerca de quatro meses. Em entrevista ao Portal Bonde nesta sexta-feira (14), ele manifestou receio em levar o filho ao evento, que coincide com o aniversário da criança. Ele e o marido são guardiões legais do menino, mas a documentação final de adoção ainda não foi concluída.


Maziero considera a lei "hipócrita" e discriminatória. “Parece uma hipocrisia dizer que uma criança não pode ir a uma Parada Gay, mas ela pode ir a qualquer festa de Carnaval. Não vejo lógica. Para mim, parece mais uma perseguição escondida em uma ideia de proteção”, avalia. 


O temor de ser enquadrado pela lei e ter problemas com a guarda da criança o coloca em uma situação de dúvida quanto à possibilidade de ir ou não à festa. “Eu quero que ele conheça, mas aí fico com medo de participar e ser enquadrado por algum policial e perder a guarda do meu filho, que ainda não é efetiva. Estou em dúvida.”


Maziero relata que esse tipo de lei fere direitos fundamentais conquistados historicamente por sua comunidade. Além disso, ressalta que é grave a relação direta, exposta na lei, entre o grupo LGBTQIAPN+ e a "falta de segurança". "Quando se faz isso, há outro agravante, porque parece que os eventos que a gente promove não são seguros para a população", desabafa.


Sobre a possibilidade de perder a guarda do filho, o conselheiro da OAB esclarece que não há essa possibilidade, pois a lei - mesmo que inconstitucional - somente se refere a multas pecuniárias.


“A lei não prevê perda de guarda, mas sim pena pecuniária. Isso teria que passar pelo Judiciário. Se vai ser fiscalizado e aplicado multa, a gente não sabe. Mas, para se resguardar disso, a OAB entrou com essa liminar para sustar esse efeito”, explica Vantroba. Ainda na sexta, a Justiça suspendeu a lei com parecer favorável à OAB.


Prefeitura de Londrina


A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Londrina, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.


Atualizada às 14h10 de domingo (16)

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