Londrina

Com cinco casos em Londrina, violência obstétrica aumenta 59% no Paraná

29 ago 2025 às 15:51

Os casos notificados de violência obstétrica tiveram aumento de 59% no período de 2023 a 2024 no Paraná, segundo relatório do Observatório de Violência Obstétrica do Nudem (Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres), vinculado à Defensoria Pública do Estado. Em Londrina, foram registrados cinco casos durante o biênio 2022 e 2024, mas o órgão acredita que ainda há subnotificações.

Formalmente instituído em outubro de 2022, o Observatório registrou 83 denúncias de violência obstétrica em 29 municípios do Paraná nos primeiros dois anos de atuação. Até outubro de 2023 foram 32 denúncias. No período seguinte, de 2023 a 2024, 51 notificações de violência foram recebidas, um aumento de 59% em relação ao primeiro ano


No município de Londrina, o Nudem registrou um caso na Maternidade Municipal Lucilla Ballalai no primeiro ano e outros quatro casos no HU-UEL (Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina) no segundo ano, um aumento de 300% de um período para outro.


A violência obstétrica é definida como violação de natureza emocional ou física no contexto de instituições de saúde. Pode abranger agressões verbais e psicológicas, maus-tratos, discriminação, negligência, negação de acesso a direitos garantidos e até a adoção de intervenções e procedimentos desnecessários que desconsideram a autonomia da mulher sobre o próprio corpo durante a gestação, no parto e no puerpério. 


Camila Mafioletti Daltoé, assessora jurídica do Nudem, acredita que o aumento significativo de denúncias observado pelo núcleo é resultante da disponibilização de uma ferramenta segura e inédita para acolhimento das vítimas. Para Daltoé, a tendência é que estes números continuem a crescer.

“Essa atuação vem se fortalecendo com o reconhecimento desse instrumento como um instrumento de confiança para as mulheres que desejam fazer as denúncias. A partir do momento que você sabe que existe um canal confiável, essa informação vai se difundindo. Quanto mais for divulgado, mais denúncias vão chegar. A tendência é crescente”, explica.


De acordo com o relatório, a violência emocional foi a categoria mais frequentemente indicada em ambos os períodos, aparecendo em 46% das denúncias no segundo ano. Na sequência, vem a violência física, presente em 34% dos registros no segundo período. Casos de violência reprodutiva e sexual – como a negativa ao aborto legal ou a imposição de condutas médicas sem consentimento – são menos frequentes, embora graves.

“Destaca-se, ainda, que a maior parte das mulheres relatou ter vivenciado múltiplas formas de violência simultaneamente. Neste sentido, em 27 denúncias no segundo período as mulheres indicaram mais de uma categoria de violência. Essa sobreposição evidencia o caráter estrutural e interseccional da violência obstétrica”, descreve o relatório.


Acerca do perfil das vítimas e considerando as denúncias em que houve o fornecimento destas informações, 41,1% das mulheres se autodeclararam brancas, 16,1% pardas, 5,9% indígenas e 2,9% pretas. A escolaridade também foi registrada. O perfil educacional aponta 13 declarações de ensino médio completo, 16 de superior e 9 de pós-graduação.


Para o Nudem, a porção mais vulnerável da população é potencialmente mais exposta a práticas abusivas, mas segue sub-representada, indicando as desigualdades de acesso à informação e aos canais formais de denúncia. “No primeiro ano, nenhuma mulher preta registrou denúncia, o que evidencia o apagamento das experiências de mulheres negras no sistema de justiça, mesmo diante da reconhecida prevalência de racismo institucional na atenção obstétrica”, explica o documento.


O relatório relaciona a subnotificação geral de casos a “barreiras estruturais e culturais que dificultam a formalização das denúncias”, como o medo de represálias, a naturalização histórica das práticas violentas e o desconhecimento sobre os direitos das gestantes e puérperas. A insuficiência de canais de acolhimento institucional também fazem parte do problema. 


“Quando a gente faz a coleta da informação da violência obstétrica no nosso canal, a gente pergunta se a pessoa já fez uma denúncia em algum outro serviço. E apenas 15% das mulheres fizeram denúncia em algum outro lugar. Esse é um primeiro achado: a falta de um espaço de acolhimento” complementa Daltoé.


No primeiro período analisado, 65% das denúncias referiam-se a atendimentos realizados no SUS (Sistema Único de Saúde) e 25% ocorreram em serviços particulares ou por meio de planos de saúde. No segundo período, 72% das denúncias formalizadas referiam-se a atendimentos realizados no SUS, e 23% ocorreram em serviços privados ou conveniados. Nos demais não foi possível identificar a modalidade de atendimento. 



“ELE FALAVA DE FORMA SUTIL”


A violência verbal, emocional ou psicológica foi a categoria mais frequentemente indicada e, dentre outras características, se materializa por meio de condutas que provocam constrangimento, medo e sofrimento emocional. Uma dessas condutas é o desencorajamento do parto normal, nutrindo dúvidas nas gestantes sobre suas capacidade de parir.


Maria* tem 28 anos e em fevereiro deste ano passou pelo seu primeiro parto. Ela iniciou o pré-natal com um médico obstetra em uma clínica particular por meio de um plano de saúde e desde o primeiro contato manifestou o desejo de realizar parto normal. Mesmo assim, o profissional tecia comentários que a deixavam insegura


“Nas consultas sempre deixei claro que eu queria parto normal. E ele falava de forma sutil: ‘acho que vc não tem estrutura para ter parto normal’ ou ‘parto normal sofre demais, muitas não conseguem’. Colocando terror psicológico. Isso foi até o final da gestação. Entrei na 38º semana e ele continuava falando”, relembra.

Maria conta que não tinha consciência, à época, de que as falas do profissional se enquadram como um tipo de violência obstétrica. Ela entrou em trabalho de parto e se dirigiu ao Pronto Socorro do Hospital Evangélico de Londrina, onde deu à luz a sua filha por meio de um parto normal realizado pela médica de plantão. Mesmo assim, ainda teve embates com o obstetra que realizou seu pré-natal.


“Ele discutiu comigo depois que a neném nasceu, falando que eu deveria ter ligado pra ele, pra ele acompanhar o parto. Eu creio que na próxima gestação eu vou procurar uma outra obstetra. Mulher, de preferência”, conclui.

“APÓS O PAGAMENTO, ELE MUDOU COMIGO”


Helena* tinha 27 anos quando sua primeira filha nasceu. A gravidez e o parto normal sempre foram um sonho que se desdobrou em planejamento e em preparação física e emocional incentivadas e encorajados pelo obstetra particular. Tudo mudou quando ela teve que pagar ao profissional um adicional pela disponibilidade para realizar o procedimento.

“Após o pagamento da disponibilidade, eu já notei que ele mudou. Ele alegou que talvez eu não conseguisse um parto normal. Que talvez a neném fosse muito grande. Ele falou que iria viajar no fim do ano e que teria que agendar a minha casaria porque não daria tempo de acompanhar meu parto, sendo que eu tinha pago”, relata.

Segundo o relatório do Observatório de Violência Obstétrica do Nudem, a assimetria de poder entre a paciente e o médico contribuiu, ao longo da história, para que condutas abusivas fossem naturalizadas e assumissem uma “roupagem de cuidados técnicos necessários”.

Isso “dificultou o reconhecimento social e jurídico da violência obstétrica como forma específica de violência de gênero, permitindo sua perpetuação como prática corriqueira na assistência obstétrica”, descreve o relatório.

Frustrada e diante da pressão, Helena foi submetida a uma cesárea contra a sua vontade. “No início eu não identifiquei como se fosse uma violência obstétrica, mas depois eu identifiquei sim, porque foge do desejo da mãe. Ele colocou medo, disse que eu não ia conseguir fazer”.


CASOS EM LONDRINA


O Nudem registrou, em Londrina, um caso de violência obstétrica na Maternidade Municipal Lucilla Ballalai no primeiro ano e outros quatro casos no HU-UEL (Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina) no segundo ano.

Em nota, a Maternidade Municipal Lucilla Ballalai, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, informou que o caso registrado no período 2022-2023 foi apurado nas instâncias internas da pasta, avaliado junto com o Núcleo de Segurança do Paciente e que foram tomadas todas as providências necessárias. “Um relatório detalhado sobre o caso, com todos os protocolos e ações que a Maternidade adota para evitar a violência obstétrica foi encaminhado, recentemente, à Defensoria Pública do Estado do Paraná, a pedido da própria instituição” , detalhou a Secretaria. 


O HU-UEL, por sua vez, comunicou à reportagem que é referência em gestação de alto risco e que atende a um perfil de gestantes, parturientes e puérperas que necessitam de atenção altamente especializada em razão de doenças maternas pré-existentes ou desenvolvidas durante a gravidez, o que aumenta a probabilidade de complicações para a mãe, para o feto ou bebê.


Mesmo assim, a instituição afirmou que implementa medidas corretivas, educativas e preventivas com foco na melhoria contínua dos processos assistenciais e que registros, indícios ou denúncias relacionadas a situações de suposta violência obstétrica são tratados com seriedade, com instauração de processos internos para averiguação dos fatos, análise técnica e escuta das partes envolvidas.


Por fim, o HU-UEL informou que responde prontamente a questionamentos de órgãos de controle externo com a responsabilidade e transparência necessárias para a apuração dos eventos apresentados. “A instituição reforça seu compromisso com a saúde, assegurando o direito das mulheres a um atendimento digno, respeitoso e baseado em evidências científicas, bem como em conformidade com as normativas éticas e legais vigentes”, concluiu.


SERVIÇO


Se você foi vítima de violência obstétrica e precisa de atendimento ou orientação jurídica sobre o assunto, acesse o Formulário para Registro de Violência Obstétrica do Nudem da Defensoria Pública do Estado do Paraná.

Para entender mais sobre o assunto, a defensoria recomenda a leitura prévia da cartilha “O que é Violência Obstétrica?”. As informações fornecidas no formulário serão acessadas apenas pela equipe do Nudem, que garante total sigilo dos dados e relatos


* A reportagem usou nomes fictícios para preservar a identidade das vítimas.


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