Faleceu neste domingo (9), aos 82 anos, o médico cardiologista e bioeticista José Eduardo de Siqueira. Autor de diversos livros e pesquisador de renome internacional, se destacou pela atuação acadêmica e pelo compromisso com a humanização da medicina.
Em 2014, Siqueira foi, inclusive, homenageado pela CML (Câmara Municipal de Londrina) com o título de Cidadão Honorário do município.
Natural de São Paulo, José Eduardo de Siqueira nasceu em 10 de julho de 1942. Formou-se em medicina pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) em 1967 e seguiu uma carreira acadêmica brilhante.
O médico se especializou em literatura em 1975 e em cardiologia no ano seguinte. Adiante, obteve seu doutorado em Medicina e Ciências da Saúde pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) em 1974 e concluiu o mestrado em Bioética pela Universidade do Chile em 1998.
UMA TRAJETÓRIA MARCADA PELA DOCÊNCIA E PELA HUMANIZAÇÃO DA MEDICINA
Ao longo de sua carreira, Siqueira lecionou na UEL de 1970 a 2009, onde foi professor de Clínica Médica e Bioética. Também coordenou o curso de Medicina e lecionou no mestrado em Bioética da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica) - Campus Londrina.
Seu legado na formação de profissionais da saúde é lembrado por colegas e ex-alunos com carinho e admiração.
Para a médica e professora Evelin Massae Ogatta Muraguchi, que teve a honra de substituí-lo na coordenação do curso de Medicina da PUCPR, Siqueira era "o professor médico perfeito".
Maraguchi relembra as aulas de cardiologia que teve com o professor em 1982 e conta que "o doutor Siqueira nos recebia às sete horas da manhã ao lado do leito dos pacientes para discutir casos com respeito e empatia. Ensinava a escutar o coração dos pacientes com uma paciência infinita".
Mais tarde, a professora foi convidada pelo professor para integrar a coordenação da PUCPR, consolidando sua trajetória na instituição. "Ele sempre dizia que o médico deve ter uma mão forte, da ciência, e uma mão delicada, do amor, para acolher o sofrimento", recorda.
A médica ginecologista Silvia Helena dos Santos Gajardoni Farges, que foi aluna e colega de docência de Siqueira, destaca a erudição e sua abordagem humanizada na relação médico-paciente que o doutor Siqueira tinha.
"Ele nos ensinava que a medicina é uma alma tocando outra alma. Estimulava os alunos a enxergar os pacientes como seres humanos, respeitando seus valores, crenças e dores", afirma.
Para Farges, sua maior contribuição à medicina foi a difusão da bioética no Brasil e a reflexão sobre os impactos dos avanços científicos na sociedade. "O doutor Siqueira deixou um legado que chamamos de 'DNA PUC Londrina': respeito, compaixão e a visão do paciente como um ser biopsicossocial."
O Camaf (Centro Acadêmico de Medicina Anísio Figueiredo), da PUCPR - Campus Londrina, também expressou o pesar pelo falecimento do professor. "Professor Siqueira foi responsável por grande parte da construção da nossa universidade e, mais do que isso, da nossa humanidade. Como seus alunos, observamos todo o seu amor e zelo pelo ensino e pela Medicina", escreve em nota publicada no Instagram.
O CCA (Centro de Ciências Sociais) da UEL, onde o professor Siqueira lecionou, também se manifestou sobre a perda por meio de uma publicação na rede social.
CONTRIBUIÇÕES ACADÊMICAS
Siqueira atuou como editor de revistas científicas e foi presidente da AML (Associação Médica de Londrina) entre 1990 e 1992, além de presidir a Sociedade Brasileira de Bioética de 2005 a 2007.
Também participou do Conselho Nacional de Saúde, foi membro fundador do Instituto Palliare de Londrina e pioneiro do Conselho Municipal de Saúde de Londrina e integrava, ainda, a Academia Paranaense de Medicina e a Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina.
Seu trabalho foi reconhecido com inúmeros prêmios e títulos, entre eles o "Prêmio Léo Pessini - 2020" da Sociedade Brasileira de Bioética - Regional Paraná e o título de "Pioneiro dos Cuidados Paliativos no Paraná - 2024" pela Câmara Técnica de Cuidados Paliativos do CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Paraná).
AML
A presidente da AML (Associação Médica de Londrina), Rosana Ceribelli Nechar, também prestou as condolências aos familiares e amigos de Siqueira.
"Seu legado perdurará e será eternamente celebrado na comunidade médica e além. Reconhecido nacional e internacionalmente por suas notáveis contribuições nas áreas de cardiologia e bioética, Dr. Siqueira dedicou sua vida à formação de gerações de profissionais de saúde, com uma trajetória repleta de realizações. Sua liderança na Bioética cultivou em seus alunos uma herança de formação técnica, ética e humanística que é verdadeiramente imensurável. Sua dedicação à educação médica assegurou que suas lições e princípios perdurem através das práticas de seus alunos e colegas", ressaltou Nechar, destacando o período em que o médico esteve à frente da AML, de 1990 a 1992.
DESPEDIDA
O velório de José Eduardo de Siqueira acontece nesta segunda-feira (10), a partir das seis horas, na sede da Associação Médica de Londrina, localizada na avenida Harry Prochet, número 1.055. O sepultamento está marcado para as 17h, no Cemitério Parque das Oliveiras.
Para homenageá-lo, o professor e médico Mário Sanches, que é coordenador do Programa de Bioética da PUCPR em Curitiba, escreveu um poema que traduz a essência e o legado do profissional:
Siqueira e o Mistério
O Siqueira, ao romper a dimensão de espaço e tempo, permanecendo na eternidade, vê que dele se aproxima o Mistério, o qual com júbilo alardeia: enfim, chega alguém que nos entende!
O Mistério arrasta a banqueta e observa que o Siqueira já estava sentado, preparado para deliberar, e falou: Vamos juntos pensar sobre a melhor maneira de viver a transcendência!
O Mistério elenca as opções:
- se queres um encontro pessoal, vem aqui que lhe dou um afetuoso abraço;
- se desejas um mergulho no vazio plenificante, eu te acolho sem demora;
- se queres sobreviver nas asas dos pássaros que sobrevoam as montanhas, eu te torno um falcão peregrino;
- se queres ser imortal e dar vida, eu te misturo nas águas no Nilo;
- Se desejas ficar perto dos humanos eu te arranjo um assento no Monte Ramelau;
- Se buscas continuar partilhar das intrigas humanas, eu te acomodo no Olimpo;
- Pra ficar presente na memória dos vivos, não preciso fazer nada, isto você mesmo já assegurou.
O Prof. Siqueira ficou pasmo:
- Como assim? Aqui não há conflito? Todas as opções são excelentes. Acho que vou preferir ficar aqui mesmo, deliberando contigo eternamente!
Que sua memória inspire futuras gerações de médicos a seguir seu exemplo de excelência, compaixão e integridade.
Artista e artífice
A caçula entre os quatro filhos de José Eduardo, Adriana Maria Motta de Siqueira, conta um pouco de como foi o processo todo de despedida do pai. “Foi um velório muito bonito, um sepultamento muito bonito, cheio de pessoas queridas, tantas pessoas presentes, tantas coroas de flores, tanto amor - que é tudo reflexo de tudo que ele construiu na vida e sempre semeou dentro de casa, com a nossa família, mas em qualquer lugar por onde ele passasse”, comenta. “Ele sempre foi essa super referência para todo mundo: para os alunos, para os pacientes dele, para os colegas. E lógico, para nós, filhos”.
“A minha relação com meu pai, nem consigo descrever em palavras”, continua ela. “Sempre foi muito próxima. Eu sou a filha mais nova, somos quatro irmãos. Os meus irmãos nasceram todos um depois do outro e eu nasci oito anos depois do irmão que veio antes de mim. (Quando) a minha mãe descobriu que estava grávida de mim, com cinco meses, ela começou a chorar, porque (pensava): ‘não, mais um filho, meu Deus, não aguento’. E o meu pai sempre falou assim: ‘Para com isso, é uma criança, é uma benção, vamos lá’. E ele conta que, quando eu nasci, ele viu uma luz no céu. E a nossa relação sempre foi de muita luz. Ele sempre foi um pai muito, muito presente”, recorda.
Apesar da vida profissional , ele prezava pela família. “Ele é médico, professor universitário. Então, (era) muito tempo dedicado ao trabalho, mas o tempo dedicado à gente sempre foi grande, pensando que ele tinha todas essas demandas, mas principalmente de uma qualidade absurda”, lembra.
“Eu sou artista plástica, sou professora, pesquisadora. E a minha pesquisa se dá no campo do quanto os fazeres manuais são importantes na formação do professor de arte e das pessoas em geral. E eu estudo um autor que é o Richard Sennett, e ele tem um livro que chama ‘O Artífice’. Nesse livro, ele fala que o artífice não se refere só ao artesão, mas ele entende artífice como toda pessoa que abraça a sua profissão como uma missão. E então, ele disse, as mães e os pais são artífices na criação dos filhos; os políticos deveriam ser artífices; os médicos deveriam ser artífices; e eu tento ser uma artífice nos meus fazeres como artista, como professora. E cada vez mais eu fui me dando conta que o meu pai foi essa minha referência, porque o meu pai sempre foi um artífice”, destaca a filha.
“Ele abriu tantos caminhos. Ele veio para Londrina no começo de 1970 para começar o curso de medicina da UEL. Daí, ele organizou o curso de medicina da PUC. Ele abriu muitos caminhos, ele formou gerações de médicos. Ele é referência em Londrina, no Paraná, no Brasil e no mundo. O caminho dele na bioética foi também de abertura, porque quando ele começou nessa área, em meados dos anos 1990, era muito pouca gente no Brasil que estava envolvida com isso. E ele foi um dos precursores mesmo. Em 1996, ele foi para o Chile fazer o mestrado - como tudo que ele faz, foi incrível”, relata.
“E, sendo o artífice que ele sempre foi, ele foi atrás desses conhecimentos todos, dessa prática toda e trouxe para cá e partilhou, construiu muita coisa e influenciou muita gente. Meu pai é essa super referência para todo mundo que cruzou o caminho dele. Sempre muito gentil, muito ético, muito incrível mesmo”.
“Eu sou artista plástica, e meu pai ele era um artista também. Além de um artífice, ele era um artista das palavras. Ele escrevia e era um artista no convívio com os outros, ele fazia de cada momento uma obra de arte. E ele era muito professor. Cada momento com ele era um grande aprendizado. E ele sempre me apoiou muito nas minhas escolhas - desde criança, ele incentivava que eu desenhasse, me encaminhava. Fiz aula com a Dolores Branco, que é uma super artista, esposa do Paulo Menten. Convivi com eles por conta do meu pai, que também sempre teve esse trânsito muito grande nas artes. Nas artes das palavras, mas também nas outras artes”
E quanto às lembranças do pai? “São tantas. Tudo o que ele fazia, porque ele sempre agia com muita ética, muita gentileza, muito amor. Em qualquer lugar, desde ir a um restaurante, cumprimentar todo mundo, até atender um paciente, dar uma aula, tudo, tudo, tudo. E, na convivência em casa, nem se fala”, diz.
“Ele foi precursor em várias coisas e o legado que ele deixa para os futuros profissionais da medicina e para sociedade em geral é esse, da ética e de ser esse artífice na profissão e na vida. E quanto a vida e a profissão se integram e misturam. Falei para alguns alunos dele que foram hoje no velório que eles têm que continuar esse legado”, pontua. “Uma coisa que ele sempre repetia: que quando você é médico, você tem que olhar para o seu paciente como um ser biopsicossocial. Ele não é uma doença, ele é uma pessoa que tem uma história”.
Atualizada às 20h54.