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Centro de reciclagem na Europa mostra como os carros morrem para ganhar vida nova

18 fev 2025 às 22:30

Apenas 1,5% da frota de veículos que deixa de circular no Brasil é destinada à reciclagem, estima o Sindinesfa (Sindicato das Empresas de Sucata de Ferro e Aço). A realidade é bem diferente em países como Alemanha, Suécia, Noruega e Japão.

A UE (União Europeia), por exemplo, estabelece que, no mínimo, 95% do peso de cada veículo ao final de sua vida útil deve ser reaproveitado, com pelo menos 85% destinados especificamente à reciclagem de materiais. É a chamada Regulamentação de Veículos em Fim de Vida. Na prática esses índices são atingidos em países como a Alemanha.

Até 2035, haverá novas exigências, como o uso de ao menos 25% de materiais reciclados em todos os novos veículos fabricados.

A responsabilidade pelo cumprimento das metas é compartilhada entre os fabricantes de veículos, que devem projetar modelos mais fáceis de desmontar, e centros de desmanche licenciados, que realizam o tratamento e a separação de componentes.

Em busca da economia circular, fabricantes também passaram a operar seus próprios centros de reciclagem para carros ou baterias, incluindo BMW, Mercedes, Renault, Stellantis e Volkswagen.

Na Alemanha, o sistema é altamente estruturado, com uma vasta rede de centros autorizados e parcerias entre montadoras e recicladores, garantindo altas taxas de reaproveitamento. Em outros países, como Espanha e Itália, a reciclagem pode ser mais fragmentada, o que dificulta a rastreabilidade e o cumprimento das metas.

Apesar da pressão imposta pelas baterias no sistema de reciclagem de carros, a UE discute estabelecer uma meta de atingir 70% de reciclagem desses componentes até 2030. Para isso, o bloco planeja incentivar o desenvolvimento de tecnologias avançadas e melhorar a rastreabilidade de componentes, além de penalizar fabricantes que não cumprirem as novas exigências ambientais.

A reportagem visitou o Centro de Reciclagem e Desmontagem da BMW em Unterschleissheim, a 10 km de Munique, no sul da Alemanha. Em operação desde 1994, a unidade recicla 10 mil carros por ano, incluindo modelos de luxo da BMW e de outras marcas do grupo, como a Mini e até a Rolls-Royce.

"A sucata de hoje é a matéria-prima de amanhã. A reciclagem reduz emissões e diminui o consumo e a extração de matéria-prima", disse Jörg Ledersbauer, vice-presidente de Economia Circular da BMW.

"O objetivo é tornar os materiais principais o mais circulares possível. Mas esse é também um centro de excelência. O conhecimento adquirido aqui é aplicado no desenvolvimento de novos modelos, mais circulares e de melhor reciclagem, o que inclusive compartilhamos com outros fabricantes."

Em uma espécie de "linha de desmontagem", os automóveis passam por várias etapas até serem reduzidos aos seus componentes essenciais.

Os modelos elétricos e híbridos têm as baterias extraídas e enviadas para uma empresa parceira, que recupera até 90% de seus metais. Aqui está o pulo do gato, que pode reduzir custos e impactos ambientais da extração de lítio.

Livre das baterias, o carro segue para a próxima estação. Técnicos conectam um controle eletrônico, que lembra um detonador de demolição, e acionam todos os sistemas pirotécnicos.


Esses dispositivos utilizam pequenas cargas explosivas para executar funções específicas relacionadas à segurança, como airbags. Acioná-los evita acidentes nas etapas seguintes.

Em outra área, o carro é erguido em um clássico elevador de oficina. Funcionários drenam todos os fluidos, como o óleo do freio, do motor e o combustível. Furadeiras e mangueiras são utilizadas para evitar vazamentos.
Assim como as baterias, os fluidos são enviados para recicladores especializados. O mesmo ocorre com os pneus.

Na última parada antes do serviço pesado, técnicos da BMW verificam se itens como catalisadores, baterias de 12V, trens de força e bancos estão em bom estado. Caso estejam, eles são retirados manualmente e classificados por qualidade (A, B ou C) para venda no mercado de reposição. Atualmente, a lei não permite a introdução de peças usadas em modelos zero-quilômetro.

O que é considerado sem uso segue para a parte mais brutal. Um funcionário opera uma máquina pesada com três diferentes tipos de pinça rotativa hidráulica. A essa altura, já há uma pilha de carros à espera. Ele agarra o próximo e o arremessa para sua área de trabalho, como uma versão em tamanho real das máquinas em que as pessoas tentam capturar ursinhos de pelúcia.

Mas não há amor em Unterschleissheim. Sem dó, o operador destroça a carroceria e arranca, na força bruta, todo o trem de força do carro, teto, bancos, painel e, por fim, girando, puxando e enrolando, toda a fiação elétrica como uma macarronada de cobre. É como uma daquelas lutas de arena entre robôs, e não é para os fracos de coração.

Os materiais retirados são cuidadosamente separados para reciclagem. O que sobra vai para uma máquina compactadora.

O veículo é reduzido a um cubo com cerca de um quarto do seu tamanho original. Esses blocos são transportados para unidades especializadas na reciclagem.

Os cubos são picotados e submetidos a um processo de separação química, que permite agrupar os diferentes materiais (cada um com seu tipo). Finalmente, o que restou se transforma em placas de metal e plástico.

Essa última etapa deve ser realizada adequadamente para evitar a emissão de poluentes e preservar, ao máximo, as propriedades dos materiais. É isso que permite obter reciclados de melhor qualidade, que poderão ser reutilizados mais vezes. E por que compactar tudo junto para, depois, separar os componentes? Segundo a BMW, isso facilita o transporte e reduz as emissões.

O alumínio e o aço da carroceria podem ser reaproveitados quase que para sempre, desde que sejam corretamente separados. O mesmo ocorre com os metais nobres de partes como fiações elétricas e escapamento.

Já os plásticos são mais desafiadores, pois perdem qualidade durante o processo de reciclagem.

O jornalista viajou a convite da BMW

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