Quando viajam as mulheres são mais suscetíveis a sofrer desarranjo intestinal, infecção urinária e stress psicológico. Já nos homens, prevalecem as doenças transmitidas por mosquitos e outros animais, as hepatites virais e as doenças sexualmente transmissíveis. Esses são alguns dados do estudo "Doenças de viajantes: diferenças por sexo e gênero", publicado pela revista Clinical Infectious Diseases, órgão oficial da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas.
Encabeçado pela suíça Patrícia Schlagenhauf, do Centro de Medicina de Viagem da Universidade de Zurique, o trabalho é o mais amplo já realizado sobre o tema: engloba informações de 58.908 viajantes, compiladas durante dez anos por 44 centros de vigilância epidemiológica em 16 países de todos os continentes. O centros integram a rede GeoSentinel que, desde 1995, funciona em parceria com a Sociedade Internacional de Medicina de Viagem.
"O que impressiona neste estudo é o número de casos. A maior parte dos trabalhos apresenta experiência de serviços com número menor de pacientes, compilada em apenas um ou outro centro de atendimento ao viajante", afirma a infectologista Melissa Mascheretti, do Ambulatório dos Viajantes do Hospital das Clínicas de São Paulo e Diretora da Divisão de Zoonoses do Centro de
Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
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Para a médica Rosana Richtmann, vice-presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, o trabalho sinaliza que o especialista em Medicina de Viagem deverá também levar em consideração o gênero do paciente, antes de prescrever os cuidados para a prevenção das doenças de viajantes. Normalmente, os critérios mais usados para esta prescrição são estado de saúde do paciente, destino, duração da estadia e tipo de viagem.
Os autores do estudo acreditam que as diferenças de comportamento, metabolismo, resposta a vacinas e medicamentos e suscetibilidade a doenças infecciosas explicam por que algumas doenças atingem mais um gênero que outro.
"No meu consultório, eu já indico um kit anti-infecção urinária para as mulheres. Agora vou acrescentar as vacinas contra diarréia de viajantes e febre tifóide para minhas pacientes a fim de evitar problemas intestinais. Para os homens vou ressaltar a importância da vacinação contra febre amarela e contra as hepatites A e B", afirma Rosana Richtmann.
Boa parte das vacinas para viajantes é disponibilizada em clínicas particulares de imunização pela Sanofi Pasteur, a divisão de vacinas do grupo Sanofi-Aventis. Entre elas estão as vacinas internacionalmente conhecidas por Dukoral (cólera e diarréia do viajante), Avaxim (hepatite A), Euvax (hepatite B), Stamaril (febre amarela) e Typhim Vi (febre tifóide).
Estudo
A Organização Mundial do Turismo registrou 903 milhões de viagens internacionais em 2007. Dos viajantes, 53% eram homens, dos quais 74 % estavam a trabalho. Parte da rotina de uma parcela significativa da população mundial, as viagens estão associadas não só à possibilidade de se conhecer outras regiões do país e do mundo mas também ao aumento de riscos à saúde. A maior parte das doenças decorrentes de viagens é autolimitada (se cura sozinha). Apenas 8% dos viajantes precisam de
ajuda médica para restabelecer a saúde.
O trabalho publicado pela Clinical Infectious Diseases analisou dados de 58.908 viajantes (50,3% do sexo feminino e 49,7% do masculino) para saber quais são as doenças mais recorrentes por gênero. Todos os entrevistados cruzaram, no mínimo, uma fronteira entre 1997 e 2007 e ficaram doentes. Com idade média de 34,4 anos, 64,2% das mulheres viajaram por turismo e 20,9% a trabalho. Os homens tinham em média 35,9 anos e mais de 59% eram turistas e 28% estavam fora de casa por compromissos profissionais. Mais mulheres (68,2%) do que homens (62,7%) foram ao médico antes da viagem.
A estadia fora do país em ambos os sexos não excedeu, em sua maioria, a 30 dias. O destino preferido foi a Ásia: 50,3% das mulheres e 49,6% dos homens. Em seguida, vieram os países africanos (18,4% das mulheres e 19,3% dos homens) e os latino-americanos (um pouco mais de 13% para os dois gêneros).
De acordo com o trabalho científico, as doenças recorrentes em viajantes do sexo feminino foram a diarréia aguda (2 a 10 dias), a diarréia crônica (mais de quatro semanas), a síndrome do cólon irritável (distúrbio intestinal que causa desconforto abdominal, dor, diarréia e prisão de ventre), a infecção urinária, o stress psicológico, os problemas de saúde bucal e as reações adversas a medicamentos.
Por sua vez, os homens foram mais afetados por doenças febris - incluindo as transmitidas por mosquitos e outros vetores (como dengue, febre amarela, malária e leishimaniose) -, hepatite A, hepatites virais crônicas e doenças sexualmente transmissíveis.
Na visão da médica Rosana Richtmann, um dos achados importantes do estudo é que as chances de a mulher ter infecção urinária são quatro vezes maiores do que o homem. Entre as explicações para o fato está a própria anatomia feminina e o costume de postergar a ida ao banheiro por um período prolongado, seja para aproveitar ao máximo o passeio ou evitar o uso de um sanitário público. Como é desencadeada por problemas psicológicos, a síndrome do cólon está ligada ao stress, também maior nas mulheres.
Rosana Richtmann entende que os homens contraem mais doenças transmitidas por vetores porque se expõem mais ao ar livre. Também estão mais sujeitos a contrair hepatite B e outras doenças sexualmente transmissíveis porque fazem mais sexo fora de casa do que as mulheres. Estudo britânico demonstrou que 13,9% dos homens e 7,1% das mulheres têm novos parceiros sexuais quando estão no exterior. Esta proporção aumenta para 23% e 17%, respectivamente, em viajantes solteiros e mais jovens (entre 16 e 24 anos).