Além de diferentes tipos de corte, os apreciadores da carne bovina poderão encontrar futuramente, nos açougues e supermercados do país, versões mais saudáveis do produto, considerado vilão da dieta saudável em razão de seu elevado teor de ácidos graxos saturados e de colesterol.
Pesquisadores da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da Universidade de São Paulo (USP), campus de Pirassununga, desenvolveram uma carne bovina enriquecida com vitamina E, selênio e óleo de canola, com menor nível de colesterol.
Os resultados das pesquisas que deram origem ao produto, realizadas com apoio da FAPESP, foram apresentados em congressos internacionais de ciência e tecnologia da carne e de produção animal, realizados nos últimos meses na França, na Turquia e em Cuba.
"Suplementamos a ração de bois da raça Nelore com uma dose elevada de selênio orgânico durante um período de três meses de engorda e constatamos que, além de aumentar a quantidade de selênio no sangue dos animais, o teor desse mineral na carne produzida chegou a ser quase seis vezes maior do que a carne de bovinos que não tiveram a ração suplementada", disse Marcus Antonio Zanetti, professor da FZEA e coordenador do projeto.
"O colesterol no sangue e na carne dos animais que tiveram a ração suplementada com níveis elevados de selênio também diminuiu significativamente", afirmou.
De acordo com Zanetti, as análises laboratoriais e estatísticas de amostras do sangue e da carne dos animais indicaram que o aumento da quantidade de selênio na dieta provocou alterações nas enzimas glutationa oxidada (GSSH) e glutationa reduzida (GSH). Essas enzimas inibem a ação da enzima responsável pela síntese do colesterol: a HMG-CoA redutase.
O mineral causou aumento da quantidade de glutationas oxidadas (GSSH) e diminuição de glutationas reduzidas (GSH), causando uma redução na síntese do colesterol pela enzima HMG-CoA redutase, afirmou o pesquisador.
Segundo Zanetti, uma das possíveis explicações para essas mudanças promovidas pelo selênio no nível de colesterol no sangue e na carne dos animais que tiveram a dieta suplementada com selênio é que o mineral faz parte da glutationa peroxidase (GPX) – enzima muito parecida com a HMG-CoA redutase, que possui a capacidade de diminuir radicais livres.
Em contato com a glutationa reduzida (GSH), o mineral transforma a enzima em glutationa oxidada (GSSH), diminuindo a quantidade de substrato para a HMG-CoA redutase.
"Já havíamos provado em outra pesquisa, também realizada com apoio da FAPESP, que o cobre possui essa capacidade de diminuir o colesterol no sangue e na carne de bovinos", contou Zanetti. "O mecanismo pelo qual o cobre faz isso é diferente. Ele altera o metabolismo no rúmen do animal."
Análises em humanos
A fim de avaliar se a ingestão da carne dos animais que tiveram a ração suplementada com selênio também causava o aumento da disponibilidade do mineral e a diminuição de colesterol no sangue de humanos, os pesquisadores realizaram um estudo com idosos de uma instituição assistencial em Leme, no interior de São Paulo.
O estudo foi realizado com a autorização da instituição assistencial e dos responsáveis pelos idosos.
De acordo com o pesquisador, foi escolhido um grupo de idosos para participar do estudo porque em geral eles apresentam queda da imunidade e de anemia por deficiência de ferro e de proteína.
"Foi bastante desafiador realizar o estudo com idosos porque, durante o período de acompanhamento da ingestão da carne suplementada, alguns foram transferidos para hospitais ou outras instituições assistenciais, por exemplo, diminuindo o número de participantes do grupo controle", contou Zanetti.
Durante períodos de até 90 dias, a carne dos bovinos suplementados com selênio e vitamina E foi incluída nas refeições de 80 idosos em diferentes variações, tais como nas formas de carne moída, almôndega e em ensopados.
O controle e acompanhamento da dieta dos idosos com a carne suplementada com selênio foi feito por uma nutricionista, contratada especificamente para a realização do projeto.
As análises de amostras de sangue coletado dos idosos indicaram que também aumentou a quantidade do mineral no plasma sanguíneo deles após 45 dias de consumo da carne.
"As análises do nível de colesterol no sangue dos idosos que consumiram a carne ainda não foram concluídas", disse Zanetti. "Mas já pudemos observar que houve um aumento da disponibilidade de vitamina E e de selênio no sangue dos que consumiram a carne por mais de 45 dias."
De acordo com Zanetti, o selênio é considerado um importante mineral antioxidante, porque impede a formação de radicais livres, auxilia no combate infecções e aumenta a imunidade.
Estudos realizados na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP comprovaram, no entanto que, à exceção da população da região Norte, onde há alto consumo de castanha-do-pará, rica em selênio, a dieta dos brasileiros é deficiente no mineral, em razão do baixo nível do composto na maioria dos solos no país.
O desenvolvimento de produtos, como a carne suplementada com selênio, pode contribuir para melhorar o nível desse mineral na dieta da população brasileira, avaliou o pesquisador.
"O consumo diário de 200 gramas da carne suplementada com o selênio é capaz de fornecer a dose diária recomendada de consumo do mineral [de 50 microgramas ], afirmou.
"Ao consumir diariamente 100 gramas da carne, uma pessoa adulta já atinge 50% de suas necessidades diárias do mineral", indicou.
Em uma pesquisa anterior, também realizada com apoio da FAPESP, os pesquisadores suplementaram a ração de vacas com óleo de girassol, selênio orgânico e vitamina E para aumentar a disponibilidade do mineral no leite produzido pelos animais.
O leite suplementado foi fornecido a crianças de primeira à quarta série que estudam em período integral na Escola Professora Stela Stefanini Bacci, no município de Casa Branca (SP).
Os resultados das análises mostraram que, além de trazer benefício à saúde das vacas e aumentar a produção leiteira, a ração enriquecida melhorou a conservação do produto e aumentou os níveis de selênio e vitamina E no sangue das crianças que consumiram o leite suplementado.
"Esses dois estudos – de enriquecimento do leite e da carne de bovinos por meio da suplementação da ração – são pioneiros no mundo, ao associarem a área de zootecnia e nutrição animal com a de saúde humana", afirmou Zanetti.
Aumento do prazo de validade
Segundo o pesquisador, a vitamina E foi combinada ao selênio na suplementação da ração dos bovinos por ter efeitos antioxidantes complementares ao do mineral.
Além de diminuir o colesterol, a adição dos dois compostos antioxidantes na ração dos bovinos também diminuiu a oxidação da gordura da carne, conforme os pesquisadores observaram por meio de análises de oxidação do produto feita por meio de um método chamado TBARs.
"Ao diminuir o tempo de oxidação do produto, a adição de selênio e vitamina E na ração de bovinos pode contribuir para aumentar o prazo de validade – "tempo de prateleira" – da carne deles", explicou.
"Uma carne menos oxidada, com gordura menos alterada, também possui melhor sabor", detalhou.
A adição de óleo de canola na ração dos bovinos com selênio e vitamina E, por sua vez, teve o objetivo de melhorar o perfil lipídico da carne por meio do aumento da quantidade de ácidos graxos insaturados e da redução do nível de ácidos graxos saturados (mais nocivos à saúde).
Segundo cálculos do pesquisador, a suplementação da carne só com selênio aumentaria em apenas R$ 0,20 o custo do quilo da carne.
"Utilizamos a dose máxima de selênio na ração dos animais. A ideia, contudo, é realizarmos novos estudos, com doses menores. Isso diminuiria, ainda mais, o custo da suplementação", estimou.
"Em países desenvolvidos já existe esse tipo de produto, enriquecido naturalmente, e o consumidor paga pelo benefício à saúde que oferecem", contou.