Nutrição

Especialista explica o que há de errado com as dietas desintoxicantes

20 dez 2013 às 11:25

Inicialmente, elas eram sutis, citadas de maneira rápida em discursos subjetivos que propunham eliminar toxinas. Mas não passavam de dietas líquidas, com o objetivo de hidratar o corpo, após períodos de ingestão alcoólica pesada e exageros alimentares, como o Natal e o Ano Novo. Apesar de não convencerem, causavam no máximo um quadro de fraqueza.

Posteriormente, elas foram se tornando mais invasivas e perigosas. Passaram a pregar longos períodos de ingestão líquida, interromper ou aumentar a ingestão de sal, usar laxantes potentes sob a designação de naturais, capazes de impor ao corpo uma perda enorme de água e eletrólitos. Como se não bastasse, a ousadia dessas dietas foi além, pois passaram a incluir sessões diárias de lavagem intestinal, que deram o nome de hidroterapia do cólon. A alegação das pessoas que pregam tais tratamentos é a de que eles eliminam toxinas, impurezas e "sujeiras" do corpo, além de emagrecerem.


Neste contexto, não faltaram as celebridades, que obviamente deram seu testemunho de perda de muitos quilos, em poucos dias, e de sensação de bem estar e leveza ao realizarem tais tratamentos. Apesar das várias opiniões contrárias, dos alertas de perigo de tais procedimentos por parte de médicos e nutricionistas, eles continuaram a ser prescritos, ignorando o aconselhamento de estudiosos e pesquisadores da área da Nutrição.


Até que há tempo, uma inglesa foi submetida a uma dessas dietas, que a levou a cortar totalmente o sal da alimentação e a ingerir litros e litros d’água por vários dias. Esta mulher começou a se sentir mal, a vomitar várias vezes e foi aconselhada por sua nutricionista a continuar com o procedimento, pois ela estaria eliminando as impurezas e toxinas do seu corpo e que os sintomas apresentados eram normais. A paciente evoluiu com crise convulsiva e lesão neurológica caracterizada pela perda da memória.


As toxinas são, na verdade, substâncias produzidas por agentes patogênicos, principalmente por bactérias, que eventualmente podem contaminar alimentos e causar muito mal à saúde das pessoas. Muitas vezes, a toxina é muito mais agressiva do que a própria bactéria que a produziu. Assim é com a toxina que causa a cólera, o botulismo, o tétano, a difteria ou a coqueluche. Assim, também ocorre com cepas toxigênicas de bactérias que causam a diarréia. Essa é a única forma de um alimento causar intoxicação, quando ele está contaminado por toxinas.


Ainda que o organismo estivesse repleto de tais toxinas, como dizem os inventores das dietas da moda, a Gastroenterologia e a Infectologia não reconhecem as técnicas de tratamento de desintoxicação apregoadas por estes profissionais. Os especialistas destas áreas alertam que essas medidas podem levar à desidratação, à perda de importantes minerais do organismo - como o sódio e o potássio - e ao prejuízo da flora bacteriana, que exerce o importante papel de defesa intestinal.


A dieta de desintoxicação não tem também base endocrinológica ou nutricional. O nosso organismo é dotado de dois mecanismos muito sensíveis para eliminar substâncias indesejáveis e que não podem se acumular no nosso corpo. Através do fígado e dos rins, podemos eliminar tais substâncias, que são expelidas através das fezes e urinas. Além disso, o nosso sistema imunológico é capaz de reagir às investidas dos diferentes microorganismos que podem causar doenças ou infecções. Dietas extremas e o jejum prolongado são capazes de induzir grande desequilíbrio metabólico, perda de peso por desidratação, arritmias cardíacas e lesões neurológicas provavelmente relacionadas ao desequilíbrio hídrico e eletrolítico dos fluídos corporais.


Emagrecer com saúde


A perda de peso está sempre entre os objetivos das dietas de moda. Essa questão geralmente mobiliza as pessoas, principalmente as celebridades, fato que impulsiona outras mulheres a seguirem tais dietas, sempre sonhando com um corpo perfeito, conquistado a qualquer custo. Com as dietas da moda, a perda de peso logicamente ocorre, devido ao cardápio de muito baixas calorias, que abrange desde a restrição absoluta de alimentos sólidos ao jejum à base de líquidos, que pode chegar a mais de 30 dias de restrição extrema. A perda de peso também ocorre por conta da desidratação, mas nunca poderá ser mantida, pois, naturalmente, o corpo deverá se reidratar e a pessoa voltará aos seus hábitos alimentares anteriores.


A confusão é ainda maior quando misturam toxinas com radicais livres. São coisas completamente diferentes. Sabemos que os radicais livres são formados a partir do metabolismo celular e da respiração celular e estão ligados à principal teoria do envelhecimento e das doenças crônico-degenerativas. Logo, respirar e comer geram radicais livres. Não há como viver sem eles. Não há dieta que comprovadamente reduza a produção dos radicais livres durante um dia ou poucos dias. Sabemos que uma dieta rica em frutas e vegetais, adotada a longo prazo, tem poder antioxidante, pois esses alimentos são ricos em vitaminas antioxidantes. Mas isso tem que ser feito ao longo dos anos e se tornar uma rotina alimentar. Esta orientação dietética não tem o apelo do inédito ou das promessas absurdas dos benefícios estéticos a curto prazo.


Logo, nenhuma dessas dietas é realmente desintoxicante. Primeiro, porque não estamos intoxicados; segundo, porque nosso corpo é capaz de realizar a eliminação das substâncias potencialmente nocivas, geradas a partir do metabolismo celular; terceiro, porque essas dietas não nos ajudam em nada e no máximo podem causar lesões ao corpo com seqüelas irreversíveis. Nesses casos, mesmo indenizados, como foi o caso da paciente inglesa, nossa saúde estará comprometida para sempre.


Dietas desintoxicantes nada mais são do que mais um modismo. Uma forma muito pouco convincente e arriscada de nos redimir dos excessos alimentares e da culpa que eles nos causam. Ao invés de seguir as orientações pouco ortodoxas dessas dietas esdrúxulas, as pessoas devem entender que um erro não justifica outro.


Precisamos rever nossos conceitos nutricionais. Precisamos ser mais críticos quando somos apresentados a mais uma dieta da moda. Não acreditem em perda de peso fácil, em medicamentos milagrosos, em práticas médicas não consagradas e não reconhecidas pelo mundo acadêmico. Desacreditem dos procedimentos que não contam com o consenso médico, que são praticados por poucos, que não são ensinados nos bancos das escolas de medicina.


Acreditem no poder de cada um em mudar a sua própria história e a sua própria doença, principalmente quando a doença está sendo causada por nossos maus hábitos alimentares.

*Ellen Simone Paiva é médica especializada em endocrinologia e nutrologia. Titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, SBEM e da ABRAN, Associação Brasileira de Nutrologia. Diretora clínica do CITEN - Centro Integrado de Terapia Nutricional.


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